TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

243 acórdão n.º 498/19 de crime previstos em legislação aprovada para fazer face a modalidades específicas de criminalidade; a limitação do instituto a um determinado e relativamente coerente conjunto de crimes denota logo um cuidado por parte do legislador em assegurar a consistência da presunção – e, para quem rejeite a teoria dos limites imanentes, a proporcionalidade da restrição do direito de propriedade causada pelo instituto da perda alargada –, já que, em teoria, muitos outros crimes (ou mesmo a generalidade dos crimes) são aptos a gerar vantagens económicas ou financeiras; todavia, o legislador cingiu a perda alargada a tipos de crime que se perfilam como mais suscetíveis de gerar vantagens daquela natureza e/ou cujos agentes são mais tipicamente movidos por esse objetivo – numa expressão, à criminalidade reditícia; daí que alguns dos crimes do catálogo previsto no artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002 – o lenocínio, o contrabando e o tráfico e viciação de veículos furtados –, crimes a que aquelas caracte- rísticas são porventura menos intrínsecas ou intensas, apenas possam dar lugar à aplicação da perda alargada se se verificar concretamente que foram praticados de forma organizada. X - Por outro lado, se a finalidade da perda alargada é prevenir a prática de crimes, não pode deixar de salientar-se que a sua consequência é apenas a de colocar o sujeito na situação em que o mesmo se encontraria não fosse a obtenção das vantagens indevidas; na medida em que não piora a situação patrimonial anteriormente existente, a perda alargada não se expõe, também por aqui, ao conflito com o direito de propriedade: apenas são confiscadas vantagens; a circunstância de a situação patrimonial prévia constituir o limite da consequência da perda alargada regulada na Lei n.º 5/2002 robustece a ideia de que este instituto não apresenta natureza sancionatória, pelo menos para efeitos de aplicação de garantias que a Constituição da República Portuguesa reserva a âmbitos normativos dessa natureza. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão daquele tibunal datada de 25 de janeiro de 2018, que manteve a decisão da 1.ª instância de o condenar na pena de 5 (cinco) anos de prisão efetiva pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado – previsto e punido pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c) (obtenção ou intenção de obter avultada com- pensação remuneratória), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma) –, bem como de declarar a perda alargada de bens seus no valor de 138 139,16 € , ao abrigo do regime previsto na Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro. 2. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de janeiro de 2018 apresenta, para o que aqui releva, a seguinte fundamentação: «(...) Invoca o recorrente A., ainda, a inconstitucionalidade material dos art. os 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 5/2002, pois que invertem o ónus da prova, violam os Pºs da presunção de inocência, do direito ao silêncio, do acusatório e da proporcionalidade.

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