TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

244 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Segundo o mesmo, não é concebível que, no âmbito do direito penal, a não prova de um facto tenha como consequência direta e necessária a prova do facto contrário, sendo que daí também advém para o arguido um ónus de prova excessivo, ao ter que provar a existência de um facto negativo. Por outro lado, relativamente ao invocado “P.º da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso”, diz que não é justificável conceber-se o chamado “património incongruente” por um período de cinco anos anterior ao da constituição de arguido. Ora, relativamente à arguida inconstitucionalidade, pese embora se compreendam as razões do recorrente, o certo é que o tribunal constitucional tem-se vindo a pronunciar, de modo uniforme, sobre a constitucionalidade dos dispositivos em causa, do que são exemplo os acórdãos citados pelo Ministério Público na sua “resposta” ao recurso, os quais aqui se dão por reproduzidos e cuja doutrina também se sufraga. Relativamente à suposta violação do invocado P.º da proporcionalidade, por o “património incongruente” poder compreender os cinco anos anteriores à constituição como arguido, não se reconhece ao recorrente a pre- tendida razão. Desde logo, haver-se-á de estar perante a condenação pela prática de um dos crimes previstos no art.º 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, situação que se verifica nos autos. Por outro lado, o património do arguido referido no art.º 7.º, n.º 2, da referida Lei, compreendendo o con- junto de todos os bens que estão ou estiveram na posse do mesmo nos últimos cinco anos à data da sua constituição como arguido, tem na fixação deste prazo, também, uma forma de defesa do mesmo, ao estabelecer um limite máximo para além do qual a proveniência do património já não poderá ser questionada. Depois, declarado perdido a favor do Estado apenas será aquele património cuja proveniência não seja congruente com o rendimento lícito do arguido, o que resulta da diferença entre este e o valor global do seu património. Finalmente, o Ministério Público, aquando da liquidação do pedido de perda alargada de bens, não deixa de levar em conta, para além de outras circunstâncias, a data da prática do crime e aquelas que são as prováveis vanta- gens económicas dele diretamente advindas para o arguido. Esse juízo de prognose impõe-se-lhe. Por isso, se, como alega o recorrente, o arguido, v. g. , apenas inicia a prática de crimes um mês antes de ser cons- tituído como arguido, obviamente que o Ministério Público, enquanto arauto da verdade e da justiça, consciente desse facto, não vai fazer uma liquidação que possa comprometer todo o património anteriormente adquirido de uma forma lícita! Finalmente, tem o arguido à sua disposição todos os meios de prova válidos em processo penal para ilidir a presunção prevista no art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, pelo que a defesa dos seus direitos, designadamente de natureza patrimonial, está totalmente garantida, não se vendo em que medida possa estar mais onerada a prova da proveniência lícita de bens. Como diz o nosso povo, “quem não deve não teme”! Assim sendo, não se reconhece a existência da inconstitucionalidade arguida.» 3. O arguido interpôs então recurso para este Tribunal, invocando a inconstitucionalidade «das normas constantes dos i) dos artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 5/2002; ii) e n.º 4 e 3 do artigo 412.º do CPP», o que fez, no essencial, nos termos que seguem: «(...) Tais normas [os artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 5/2002] afiguram-se-nos como materialmente inconstitucionais, por estabelecer uma inversão do ónus de prova e, assim, traduzir uma violação do direito ao silêncio e da presunção de inocência. 6. Com efeito, tendo o arguido recorrente, que provar a proveniência licita de tal património– “património incongruente” – e presumindo-se que aquela constitui vantagem obtida pela prática do crime pelo qual foi conde- nado, a exigência da prova da proveniência licita do mesmo sob pena de lhe ser aplicado uma sanção– o confisco do património incongruente liquidado (que se afigura como consequência jurídica do crime, e não como mera consequência jurídico-civil), imponha que fosse o MP a provar tal proveniência ilícita e não o ora arguido, já que

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