TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

248 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL fundamento  jurídico à decisão proferida, e cuja inconstitucionalidade fora já suscitada em sede de recurso inter- posto para o tribunal da Relação de Lisboa. 18. Atento o disposto nas alíneas b) , do nº 1 do artigo 70.º da Lei do T. Constitucional, ao abrigo da qual o pre- sente recurso é interposto, tem o presente recurso como objeto o julgamento da conformidade com o texto consti- tucional designadamente a inconstitucionalidade das normas constantes dos i) do art.º 7.º e 9.º da lei 5/2002; ii) e n.º 4 e 3 do art.º 412.º do CPP 19. Tais normas afiguram-se-nos como materialmente inconstitucionais, por estabelecer uma inversão do ónus de prova e, assim, traduzir uma violação do direito ao silêncio e da presunção de inocência. 20. Com efeito, tendo o arguido recorrente, que provar a proveniência lícita de tal património – “património incongruente” – e presumindo-se que aquela constitui vantagem obtida pela prática do crime pelo qual foi conde- nado, a exigência da prova da proveniência lícita do mesmo sob pena de lhe ser aplicado uma sanção – o confisco do património incongruente liquidado (que se afigura como consequência jurídica do crime, e não como mera consequência jurídico-civil), imponha que fosse o M P a provar tal proveniência ilícita e não o ora arguido, já que essa inversão do ónus da prova, baseada na existência de uma presunção iuris tantum , é de per se violadora do princípio da presunção de inocência ínsito no art.º 2.º do art.º 30 da CRP e das garantias penais, designadamente do direito ao silêncio, já que, perante o estabelecimento de tal presunção, necessariamente incute-se no arguido, a necessidade, de adotar uma conduta processual, que necessariamente, irá desembocar, na necessidade do mesmo explicar a origem de tais rendimentos – o que sendo matéria que poderá estar intimamente conexionada com o apuramento de eventuais factos que lhe são imputados pela acusão pública, acabe, por haver transmissibilidade dessa prova, podendo inclusivamente, redundar numa degradação do seu direito a não autoincriminação. 21. Não é aceitável, que no âmbito do direito sancionatório criminal, que a não prova de um determinado facto tenha como consequência imediata a prova do facto contrário. 22. A opção legislativa materializada em letra de lei, assente numa solução de confisco, que se funda numa presunção de proveniência do património incongruente, revela-se claramente, violadora dos direitos e garantias fundamentais do arguidos designadamente do direito ao silêncio e do principio do in dubio pro reo , já que em processo penal, ou o M P é capaz de produz prova coerente sobre a realidade de um facto, ou a existência de dúvida sobre tal realidade nunca resultará em desfavor do arguido, o que não sucede nestes casos, com a aplicação de tais normas cuja inconstitucionalidade material ora se invoca. 23. Por outro lado, tais normas não se afiguram conformes com a estrutura acusatória do nosso processo penal que sobre o arguido impenda um ónus de prova tão excessivo, recaindo sobre ele a prova negativa, facilitando-se, assim, uma tarefa que incumbe exclusivamente o titular da ação penal. 24. É, assim, de concluir-se pela inconstitucionalidade dos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, já que tal regime, ao inverter o ónus da prova em processo penal quanto à proveniência do património do arguido, viola claramente os princípios constantes dos artigos 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. 25. Pelo que se requer que seja julgada, e por conseguinte desaplicada, por inconstitucional, designadamente por violação das garantias de processo penal consagradas nos artigos 18.º e 32.º, n.º 1 e 2 e n.º 5 , da Constituição da República Portuguesa, a interpretação que se extraia dos artigos 7.º a 9.º da Lei n.º 5/ 2002, de 11 de janeiro, no sentido de estabelecer uma presunção que implica a consignação da inversão do ónus da prova ou da presunção de inocência quanto à proveniência do património do arguido, e bem assim a violação da principio do acusatório ínsito no n.º 5 do art.º 32.º da Lei Fundamental. 26. Por outro lado, as supra referidas normas são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso, designadamente, no que respeita, ao período tempo- ral compreendido e relevante para o apuramento do designado património incongruente do arguido, que após liquidado será confiscado, que poderá compreender todo o património que aquele possuía no período de 5 anos anterior ao da sua constituição de arguido. 27. Por conseguinte afigurasse-nos inconstitucional a referida norma do art.º 7.º do referido diploma, por poder abranger o património do arguido, num período anterior a 5 anos reportado à data de constituição de arguido, sem que haja qualquer outra exigência legal, designadamente, a referência à imputação ao confiscado de

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