TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

253 acórdão n.º 498/19 no n.º 1 do artigo 7.º é ilidida se se provar que os bens: (...) Estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido». Quanto aos parâmetros constitucionais potencialmente violados, entende o recorrente que aquela norma é inconstitucional «por poder abranger o património do arguido, num período anterior a 5 anos reportado à data de constituição de arguido, sem que haja qualquer outra exigência legal, designadamente, a referência à imputação ao confiscado de factos criminosos nesse mesmo período, designadamente de conduta que integrem os crimes previstos no artigo 1.º do referido diploma legal», em violação «dos comandos cons- titucionais, que presidem à restrição de Direitos Liberdades e Garantias, do qual o Direito de propriedade é de natureza análoga, designadamente dos comandos ínsitos no art.º 18.º n.º2, maxime do princípio da proibição do excesso.» Apreciação do objeto do recurso 10. O instituto da perda alargada e, mais especificamente, a norma que integra a primeira questão de constitucionalidade acima indicada – relativa à presunção ilidível de que, em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que é congruente com o seu rendimento lícito constitui vantagem de atividade criminosa – foi já apreciada por parte do Tribunal Constitucional, em especial no Acórdão n.º 392/15. Este Acórdão contém uma minuciosa descrição da história legislativa e jurisprudencial do instituto da perda alargada – nos planos nacional, regional e internacional –, bem como de várias das mais relevantes experiências de direito comparado no domínio da recuperação de ativos pelo Estado. Justifica-se transcrever aqui essa detida análise, que se acompanha: «Este regime legal enquadra-se na problemática mais geral da perda de coisas e direitos relacionados com a prática de um ilícito criminal, previsto, em termos gerais, no Capítulo IX do Código Penal, intitulado «Perda de instrumentos, produtos e vantagens», onde se encontra regulada a «Perda de instrumentos ou produtos» (artigos 109.º e 110.º) bem como a «Perda de vantagens» (artigo 111.º). Neste regime normativo de âmbito geral prevê-se que os objetos que tenham servido ou que se destinassem a servir para a prática de factos ilícitos (instrumentos do crime), bem como os que forem produzidos em resultado de tais factos (produtos do crime), sejam declarados perdidos a favor do Estado, uma vez verificados determinados pressupostos (cfr. artigos 109.º e 110.º). Este tipo de medidas tem como fundamento razões de índole preventiva, visando impedir que tais instrumentos ou produtos possam ser utilizados para a prática de novos ilícitos ou que, atenta a sua perigosidade, possam colocar em causa a segurança das pessoas ou da ordem pública. Prevê-se ainda a perda das vantagens decorrentes da prática de factos ilícitos (cfr. artigo 111.º do Código Penal), medida esta que tem como finalidade subtrair ao arguido (ou a terceiros) os proventos obtidos em resulta da prática de factos ilícitos típicos. A doutrina tem apontado, como fundamento político-criminal deste regime de perda de vantagens, finalidades preventivas (quer de prevenção geral, quer de prevenção especial) considerando que, ao procurar colocar o arguido na situação patrimonial em que estaria se não tivesse praticado determinado ilícito, subtraindo as vantagens resul- tantes do mesmo, se visa demonstrar que «o crime não compensa», ideia que é reafirmada «tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de prevenção)» (Cfr., Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, p. 632). No entanto, além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente. Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto.

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