TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concretos e provas disponíveis, como as de que o valor dos bens é desproporcionado em relação ao rendimento legítimo da pessoa condenada, conclua que os bens em causa provêm de comportamento criminoso.». Ou seja, este artigo 5.º impõe aos Estados-Membros a adoção de medidas no sentido de ser permitida a «perda alargada» dos bens pertencentes a pessoas condenadas por uma infração penal que possa ocasionar direta ou indireta- mente um benefício económico, no caso de um tribunal concluir, com base nas circunstâncias do caso, que os bens em causa provêm de comportamento criminoso. E, na ponderação das circunstâncias específicas do caso, um dos ele- mentos que, segundo esta norma, poderá levar o tribunal a extrair esta conclusão é o facto de os bens da pessoa serem desproporcionados em relação aos seus rendimentos legítimos [sobre as implicações desta Diretiva no ordenamento jurídico português, cfr. João Conde Correia, «Reflexos da Diretiva 2014/42/EU (do Parlamento Europeu e do Conse- lho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na união europeia) no direito português vigente», in Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2014, II, p. 83 e seguintes). Embora o prazo de transposição desta Diretiva não se tenha esgotado, o Tribunal de Justiça já admitiu que as diretivas podem ter impacto no Direito nacional ainda antes de decorrido o prazo de implementação. No período que medeia entre a aprovação e o decurso do prazo de transposição, os Estados-Membros devem evitar adotar medidas que ponham seriamente em causa o resultado previsto pela diretiva (Ac. de 18/12/97, Inter-Environ- nement Walonie , proc. C-129/96, Col. 1997, p. I-7411; ac. de 23/4/2009, Kiriaki Angedidaki , procs. C-378 a 380/07, Col. 2009, p. I-3071). Como resulta do acima transcrito, são frequentes nestes instrumentos normativos de direito internacional e de direito da União Europeia as referências à possibilidade de inversão do ónus da prova ou, pelo menos, de tornar menos rigorosas as disposições em matéria de ónus da prova, no que se refere à origem dos bens que se encontrem na posse de uma pessoa condenada por determinados crimes relacionados com a criminalidade organizada, com a ressalva de tal tipo de medidas ser compatível com os princípios do seu direito interno e com a natureza dos seus procedimentos judiciais. Seguindo a tendência espelhada nestes instrumentos jurídicos internacionais, vários ordenamentos nacionais têm também adotado diversas medidas legislativas tendo em vista a prossecução destes objetivos. No que ora par- ticularmente interessa, importa realçar, no plano do direito comparado, algumas medidas destinadas a declarar a perda alargada (ou, para usar outra expressão que alguma doutrina entende ser mais rigorosa, o confisco alargado) de bens, com base numa presunção da origem ilícita dos mesmos (sobre alguns dos regimes de perda alargada de bens existentes no direito estrangeiro, cfr., em especial, Pedro Caeiro, ob. cit. , págs. 277-289, e João Conde Correia, ob. cit. , págs. 46 a 54; e ainda Augusto Silva Dias, ob. cit. , págs. 38-39; Jorge Dias Duarte, ob. cit. , págs. 147-151; e Jorge A. F. Godinho, ob. cit. , págs. 1320-1327). Em tais regimes jurídicos, por regra, para se proceder ao confisco alargado de bens, parte-se do pressuposto de que a condenação pela prática de certo tipo de crimes tipicamente geradores de elevados proventos, conjugada com a titularidade ou disponibilidade, por parte do condenado, de um património cuja origem não é explicável, fazem razoavelmente supor que tal património resulta da atividade criminosa do condenado. O funcionamento deste tipo de presunção opera, nalguns casos, conjuntamente com uma inversão do ónus da prova, incumbindo ao condenado provar a origem lícita dos bens em causa, fazendo-se depender, em alguns sistemas, o funcionamento da aludida presunção de um conjunto de pressupostos, como sejam, a necessidade de a acusação identificar o património, a sua desproporção com os rendimentos de origem lícita ou mesmo a sua conexão com uma qualquer carreira ou atividade criminosa. Assim, no direito espanhol, o artigo 127.º, n.º 1, do Código Penal, após as alterações introduzidas pela Ley Orgánica 5/2010, de 22 de junho, estabelece que o tribunal deve ampliar o âmbito da perda de bens às vantagens provenientes de “atividades criminosas” cometidas no quadro de uma organização criminosa ou terrorista, ou de um crime de terrorismo, entendendo-se para tal que provém da atividade criminosa o património de todas e cada uma das pessoas condenadas por delitos cometidos no seio da organização ou grupo criminoso ou terrorista, ou por crime de terrorismo, cujo valor seja desproporcionado em relação aos rendimentos obtidos de forma lícita por cada uma das ditas pessoas. Ou seja, neste regime legal, havendo uma condenação por crimes cometidos no quadro de uma organização criminosa ou terrorista, ou por crimes de terrorismo, caso se prove ainda, na primeira hipótese, a

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