TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

259 acórdão n.º 498/19 existência de uma atividade criminosa no seio dessa organização, a lei presume a conexão entre a referida atividade criminosa e a desproporção patrimonial. Mais recentemente, este artigo 127.º foi sujeito a profundas alterações através da Ley Orgánica 1/2015, de 30 de março, tendo este regime sido substituído por um regime aplicável a um catálogo mais alargado de crimes e sujeito a diferentes pressupostos de aplicação (cfr. artigo 127- bis ., em vigor a partir 1 de julho de 2015). De acordo com este novo regime, o tribunal deve ampliar o âmbito da perda aos bens e rendimentos perten- centes a uma pessoa condenada por certo tipo de crimes (entre os quais, tráfico de seres humanos, crimes relativos à prostituição, à exploração sexual e corrupção de menores e de abusos e agressões sexuais a menores de dezasseis anos, crimes contra a propriedade intelectual ou industrial, branqueamento de capitais, crimes contra a Fazenda Pública e a Segurança Social, crimes contra os direitos de cidadãos estrangeiros, crimes de falsificação de moeda, crimes de terrorismo, crimes cometidos no seio de uma organização ou grupo criminoso, etc.), quando considere, a partir de indícios objetivos fundados, que tais bens ou rendimentos são provenientes de uma atividade criminosa e não se comprove a sua origem lícita. A lei considera ser de valorar, para este efeito, entre outros, os seguintes indícios: a desproporção entre o valor dos bens e pertences do património em questão e os rendimentos de origem lícita da pessoa condenada e a oculta- ção da titularidade ou de qualquer poder de disposição sobre os bens ou pertences mediante a utilização interposta de pessoas físicas ou jurídicas ou entes sem personalidade jurídica, ou paraísos fiscais ou territórios sem tributação que ocultem ou dificultem a determinação da verdadeira titularidade dos bens. No direito Francês, no artigo 131-21 do Código Penal francês (na redação dada pela Lei n.º 2013-1117, de 6 de dezembro de 2013), prevê-se a perda de bens (confiscation) como pena complementar, nos casos previstos na lei e para os crimes punidos com pena de prisão superior a um ano (com exceção dos crimes de imprensa). Este “confisco” abrange não só os bens móveis e imóveis que tenham servido ou estivessem destinados a servir para o cometimento do crime e que sejam propriedade do agente ou se encontrem na sua disponibilidade, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé, bem como os bens que constituem o objeto ou o produto, direto ou indireto, da infração, à exceção daqueles que possam ser restituídos à vítima. No entanto, tratando-se de uma infração punível com pena não inferior a 5 anos de prisão, que tenha proporcionado lucro direto ou indireto, o confisco é alargado, abrangendo também os bens que pertençam ao condenado ou de que ele tenha a livre disposição, quando nem o condenado, nem o proprietário consigam justificar a origem de tais bens. Em Itália, para além da perda de bens prevista no artigo 204.º do Código Penal (que, tal como no regime português, pressupõe a condenação pela prática de determinado crime e a prova da ligação entre o crime e as van- tagens), o artigo 12-quinquies da Lei 356/92, incriminava a posse injustificada de bens cujo valor fosse despropor- cionado aos rendimentos dos arguidos em relação a certos crimes. Esta norma do artigo 12.º veio a ser declarada inconstitucional por decisão do Tribunal Constitucional Italiano, de 17 de fevereiro de 1994. No seguimento de tal decisão, foi aprovado pelo legislador o artigo 12.º-sexies, no qual se prevê o confisco de bens cujo valor seja desproporcionado e injustificado que se encontrem na titularidade ou posse de pessoas condenadas por determi- nados crimes. Na Alemanha, a perda alargada ( erweiterte Verfall ) foi introduzida no § 73d do Código Penal ( StGB ) em 1992, prevendo-se que, no caso de ser praticado um ilícito criminal cuja norma expressamente remeta para este regime de perda alargada, o tribunal ordena a perda dos bens que estejam na titularidade ou na posse do autor ou par- ticipante, quando as circunstâncias justifiquem a suposição de que estes foram obtidos através ou para a prática de outros factos ilícitos-típicos. O Supremo Tribunal federal alemão ( BGH , 4 StR 516/94, de 22 de novembro de 1994) veio a pronunciar-se no sentido da conformidade constitucional deste regime normativo com os princípios da culpa e da presunção de inocência, ressalvando, no entanto, que tal medida só pode ser decretada caso o tribunal se encontre convencido, em resultado de exaustiva produção e valoração da prova, que o arguido adquiriu os bens através de factos ilícitos típicos, pelo que a dúvida razoável quanto à proveniência dos bens impedirá o seu confisco. No Reino Unido, de acordo com regime mais recente, previsto no Proceeds of Crime Act. de 2002, a perda de vantagens da atividade criminosa pode verificar-se através de um confisco de natureza penal (criminal confisca- tion) ou “civil” ( civil recovery ). Na primeira hipótese, o tribunal determina se o condenado tem um modo de vida

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