TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

26 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com o princípio da dignidade da pessoa humana, e do direito de constituir família, em consequência de uma restrição excessiva dos mesmos, conforme decorre da conjugação do artigo 18.º, n.º 2, respetivamente, com os artigos 1.º e 26.º, n.º 1, por um lado, e com o artigo 36.º, n.º 1, por outro, todos da Constituição da República Portuguesa». Tal juízo assentou nos seguintes fundamentos: «[…] 30. Saber se estas garantias procedimentais e organizatórias são suficientes para uma efetiva proteção da liber- dade de ação da gestante ao longo de todo o processo de gestação de substituição é uma questão diferente, mas que já não interfere com a admissibilidade constitucional de princípio do próprio instituto da gestação de substituição, tal como modelado pelo legislador nos seus traços essenciais (cfr. supra os n. os 8, 9 e 28). Nesse caso, poderão estar em causa aspetos concretos do regime jurídico, que, por força das exigências constitucionais quanto ao direito ao desenvolvimento da personalidade – o qual, recorde-se, é um direito fundamental concretizador do respeito pela dignidade da pessoa –, e atendendo à própria dinâmica da gestação, coloquem problemas de constitucionalidade. Ou seja, no plano das soluções jurídicas concretas consagradas nos vários números do artigo 8.º da LPMA, haverá que avaliar se as mesmas salvaguardam adequadamente o direito ao desenvolvimento da personalidade da gestante de substituição, nomeadamente em situações de potenciais conflitos de direitos, ainda que esta tenha, no momento inicial, de livre vontade e num exercício de autodeterminação, prestado o seu consentimento para o concreto procedimento de gestação de substituição em que é participante e aceitado vincular-se contratualmente perante os beneficiários do mesmo. Nessa sede, deverá o Tribunal verificar se a disciplina da gestação de substituição estabelecida pelo legislador nas citadas normas realiza uma ponderação adequada entre o direito contratual dos beneficiários – mas que também não deixa de corresponder a um interesse fundamental dos mesmos – à concretização do seu projeto de procriação e de constituir família, o superior interesse da criança que nascer na sequência do processo de gestação, o direito ao desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação em matéria reprodutiva de todos os envolvidos e a necessidade de proteção da dignidade da mulher que assume o papel de gestante de substituição, seja no momento em que celebra o contrato com os beneficiários ou no momento em que lhe são aplicadas as técnicas de PMA, seja durante o período em que efetivamente se encontra grávida e até depois do parto. Além da criança, esta mulher é, como referido, a parte mais vulnerável, se se atender aos riscos já assinalados de coerção e aos riscos inerentes a uma gravidez, designadamente, riscos de aborto, gravidez ectópica, pré-eclâmpsia e outras complicações obstétricas, que tendem a aumentar com o número de gestações. De resto, a natureza da gravidez enquanto fenómeno biológico, psíquico e potencialmente afetivo, e o seu dinamismo próprio, são igualmente aptos a justificar reponderações. […] B.6. Questões de inconstitucionalidade suscitadas por certos aspetos do regime da gestação de substituição lícita 38. A inexistência de uma incompatibilidade de princípio do modelo português de gestação de substituição com a Constituição não significa que determinados aspetos do seu regime jurídico não possam suscitar questões de inconstitucionalidade. A ser assim, não estará em causa o modelo, em si mesmo considerado, mas tão-somente certas soluções adotadas na sua concretização legislativa. Desde que as soluções em causa se compreendam no âmbito objetivo do pedido – os n. os 1 a 12 do artigo 8.º da LPMA e demais normas da mesma Lei que se refiram à gestação de substituição – nada obsta a que o Tribunal aprecie a sua eventual inconstitucionalidade (cfr. o já citado artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional). […] B.6.1. A questão dos limites à livre revogabilidade do consentimento da gestante 39. A essencialidade do consentimento da gestante para a eficácia do contrato de gestação de substituição já foi devidamente sublinhada. Se o contrato, para além da regulação de diferentes aspetos das relações entre as partes, traduz a adesão da gestante a um projeto parental dos beneficiários, aceitando, perante estes, que se submete a um

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=