TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

264 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de Faria Costa  et al. (org.), Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, vol. I, Coim- bra: Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2018, pp. 222 e seguintes, acrescentando: «É certo que a questão de constitucionalidade poderia estar precisamente aí, na circunstân- cia de o legislador não ter configurado o confisco alargado como uma reação penal e de, tendo em conta a finalidade desta medida e os seus efeitos gravosos sobre a esfera do arguido, dever tê-lo feito. Não é, porém, o caso. Ainda que a sua finalidade – preventiva – seja comum à que, em geral, subjaz ao direito penal, os seus efeitos não o são. [C]om o confisco alargado não se pretende de forma alguma penalizar o arguido, mas apenas retirar-lhe os benefícios que se considera serem resultado de atividade criminosa. Além do mais, as finalidades preventivas não são, certamente, exclusivas do direito penal, atendendo, desde logo, ao princípio da subsidiariedade e da ultima ratio .» De um só passo decai, assim, a hipótese de a presunção contida nos artigos 7.º e 9.º, n. os 1, 2 e 3, da Lei n.º 5/2002, violar o princípio da presunção de inocência, algum dos seus corolários, o princípio da estrutura acusatória do processo penal, ou qualquer outra garantia constitucional específica para âmbitos normativos penais ou sancionatórios. Ou seja, decai a primeira questão de constitucionalidade formulada pelo recor- rente (pelo menos no confronto com os parâmetros constitucionais por si indicados – mas vide ainda infra , os pontos 15 seguintes). 13. Esta conclusão está em linha com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) – vide, para além das referências já transcritas, o acórdão prolatado no caso Gogitidze e outros c. Geórgia , n.º 36862/05, 12 de maio de 2015, embora relativo a um procedimento de confisco in rem –, devendo em particular sublinhar-se que não conflitua com o entendimento acolhido na linha jurisprudencial em que se inscrevem, e. g. , os acórdãos Paraponiaris c. Grécia , n.º 42132/06, de 25 de setembro de 2008, Geerings c. Países Baixos , n.º 30810/03, de 1 de março de 2007, e G.I. e.M . e outros c. Itália , n. os 1828/06, 34163/07 e 19029/11, 28 de junho de 2018. Em Paraponiaris , o Estado em questão aplicara uma medida pecuniária ao sujeito apesar de o mesmo ter sido absolvido em razão de prescrição do procedimento criminal. O tribunal local julgou violado o princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 6.º, n.º 2, da Convenção, mas em virtude de a medida ter sido aplicada sobre factos pelos quais o indivíduo fora absolvido. Já em Geerings o TEDH encontrara uma violação do mesmo princípio, em termos semelhantes: neste caso, o Estado em questão lançou mão do instituto do confisco alargado na sequência de uma condenação, mas a medida abrangeu bens resultantes de factos pelos quais o sujeito fora previamente absolvido. Por fim, em G.I. e.M., estava em causa o instituto italiano da “confisca urbanística”. O acórdão incidiu sobre três processos judiciais contra várias pessoas jurídicas e um indivíduo. As primeiras apresentavam-se como terceiras rela- tivamente ao crime e todos os seus representantes legais foram absolvidos, em razão de diferentes motivos, incluindo a prescrição; o indivíduo fora também absolvido com base na prescrição do procedimento penal. Também aqui o TEDH considerou violado ( inter alia ) o artigo 6.º, n.º 2, da Convenção, mas por razões idênticas às que acima se indicaram para o caso Paraponiaris . No caso em apreço, não está em causa uma interpretação normativa dos preceitos da Lei n.º 5/2002 que se aproxime de qualquer das hipóteses acabadas de referir. Nos presentes autos, foi aplicado um regime de confisco alargado na sequência de uma condenação por um dos crimes pelos quais a lei admite a aplicação desse regime, sem que estejam em causa bens cuja origem seja reconduzível a factos pelos quais o indivíduo tenha sido absolvido. Em definitivo, em hipóteses como a que está em causa nestes autos, não existe sequer um risco de a aplicação daquele regime representar uma condenação velada do indivíduo, em lesão do seu direito a ser presumido inocente relativamente a todos e quaisquer factos exceto aqueles por que tenha sido condenado por sentença transitada em julgado, proferida no âmbito de um processo justo e equitativo. 14. A segunda questão suscitada pelo recorrente revela-se também improcedente. Com esta questão o recorrente pretendia que fosse julgada inconstitucional a norma decorrente dos artigos 7.º, n.º 2, alínea c) , e 9.º, n.º 3, alínea b) , da Lei n.º 5/2002, segundo a qual o «período temporal compreendido e relevante para

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