TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

265 acórdão n.º 498/19 o apuramento do designado património incongruente do arguido» pode abranger «todo o património que aquele possuía no período de 5 anos anterior ao da sua constituição de arguido». No entender do recorrente, essa norma é inconstitucional «por poder abranger o património do arguido num período anterior a 5 anos reportado à data de constituição de arguido, sem que haja qualquer outra exigência legal, designadamente, a referência à imputação ao confiscado de factos criminosos nesse mesmo período, designadamente de conduta que integrem os crimes previstos no artigo 1.º do referido diploma legal», em violação «dos comandos cons- titucionais, que presidem à restrição de Direitos Liberdades e Garantias, do qual o Direito de propriedade é de natureza análoga, designadamente dos comandos ínsitos no art.º 18.º n.º 2, maxime do princípio da proibição do excesso». Sucede que a função dos artigos 7.º, n.º 2, alínea c) , e 9.º, n.º 3, alínea b) , da Lei n.º 5/2002 – mais especificamente, o período de cinco anos anteriores à constituição como arguido – não é senão mitigar o alcance da presunção de que o seu património advém de atividade criminosa. A partir do momento em que se admita que a presunção enunciada no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 5/2002 é legítima, o seu confinamento a um determinado período temporal apresenta-se como uma limitação a um regime desfavorável ao indi- víduo. Apresenta-se, isto é, na sua estrutura, como uma norma favorável ao indivíduo. As únicas questões de constitucionalidade que poderão colocar-se são as de saber se esse regime necessariamente teria de conhecer uma limitação dessa natureza e, em caso afirmativo, se o concreto período de tempo previsto na lei – os cinco anos – se mostra desproporcionalmente longo perante o direito de propriedade garantido pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição. A primeira questão fica dispensada de resposta, uma vez que o legislador português limitou temporal- mente o regime da perda alargada. Depois, olhando para o período de tempo previsto na lei, dificilmente poderia sequer cogitar-se ser o mesmo constitucionalmente censurável. Recorde-se que o entendimento reiteradamente acolhido pelo Tribunal Constitucional sobre o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição é o de que, embora ele imponha alguns limites à intervenção do Estado, é primacialmente ao legislador que compete avaliar a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sen- tido estrito dessa intervenção. O legislador dispõe – mesmo em domínios sancionatórios (que, como vimos, não é sequer rigorosamente o caso do instituto aqui em análise) – de uma ampla margem de conformação que apenas cessa quando a desproporcionalidade da norma aprovada for notória, manifesta, flagrante: neste sentido, podem ver-se, entre vários, os Acórdãos n. os  304/94, 574/95, 329/97, 201/98, 108/99, 547/00, 67/11, 360/11, 105/13, 313/13, 97/14, 21/19 e 104/19. Olhando dessa forma para o período de cinco anos previsto na lei, pode concluir-se com grande segurança que o mesmo não apresenta as características que seriam necessárias para tornar inconstitucional a norma que o prevê. Cinco anos afigura-se um período de tempo absolutamente razoável de várias perspetivas – tanto intrassistemáticas [considerando por exemplo a facilidade relativa de se fazer, dentro desse período, a prova da licitude a que se refere a alínea a) do mesmo artigo 9.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002], como intersistemáticas (considerando por exemplo os prazos da usucapião previstos nos artigos 1287.º e seguintes do Código Civil). 15. O que pode ainda ponderar-se é se, mais globalmente considerada, a presunção prevista no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, comprime desproporcionalmente o direito de propriedade privada. Ou seja, se viola os artigos 18.º, n.º 2, e 62.º, n.º 1, da Constituição, conjugados. Trata-se aqui, no fundo, de apurar se a norma que integra a primeira questão formulada pelo recorrente é conforme com o parâmetro constitucional indicado na sua segunda questão, apreciação esta que é admitida pelo artigo 79.º-C, in fine , da LTC. Uma forma de perspetivar esta questão de constitucionalidade passa por considerar que o património confiscado não pode em rigor considerar-se como sendo propriedade do sujeito visado, uma vez que resulta de atividade ilícita. É sensivelmente esta a posição sustentada pelo Ministério Público nas suas contra-alega- ções de recurso, quando nota que «não é absoluto o âmbito de proteção do direito fundamental de proprie- dade privada»; que é necessário «preliminarmente apurar quais os [seus] “limites imanentes”». O Ministério Público conclui, a este respeito, que «as “vantagens de atividade criminosa”, consubstanciadas num incremento

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