TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL pecuniário marginal de natureza patrimonial (direitos patrimoniais privados), no sentido do artigo 7.º, n. os 1 e 2, alíneas a) , b) e c) , da Lei n.º 5/20012, de 11 de janeiro, precisamente em razão de terem origem em atividade criminosa, não estão abrangidas no âmbito de proteção do direito fundamental de propriedade privada, que assim não se mostra infringido no caso em apreço (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição)». Em abono desta posição o Ministério Público indica o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/87, relativo à apreensão regulada no artigo 178.º do Código de Processo Penal (CPP). O n.º 1 desse artigo deter- minava a apreensão dos «objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objetos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros suscetíveis de servir a prova», sendo que, nos termos do n.º 3, «as apreensões são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária, salvo quando efetuadas no decurso de revistas ou de buscas, caso em que lhe são aplicáveis as disposições previstas neste Código para tais diligências». Colocava-se aí a questão de saber se, ao prever que as apreensões possam ser autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária e até por órgãos de polícia criminal, o dito n.º 3 violaria, inter alia , o direito de propriedade previsto no n.º 1 do artigo 62.º da Constituição. A este respeito, entendeu o Tribunal Constitucional muito simplesmente que «o direito de propriedade está longe de ser ilimitado e a apreensão de objetos em processo penal nos casos referidos não pode deixar de considerar- -se como um limite imanente desse direito» (vide o ponto 2.8 do Acórdão). Ao Acórdão n.º 7/87 deverá acrescentar-se o Acórdão n.º 340/87, onde este Tribunal também não jul- gou inconstitucional a norma (resultante da leitura conjugada dos artigos 107.º e 108.º) do Código Penal de 1982 que disciplinava a perda a favor do Estado de objetos que tivessem servido para a prática de um crime. Notou aí o Tribunal que «os valores da segurança das pessoas, da moral e da ordem pública que constituem o alicerce de um Estado de direito democrático» se sobrepõem ao direito de propriedade. Embora de modo porventura menos inequívoco do que no Acórdão n.º 7/87 – na medida em que se refere, ora a um «sacrifí- cio» do direito de propriedade, ora à ideia de que o mesmo conhece «limites imanentes» –, pode considerar- -se que também neste caso o Tribunal se baseou fundamentalmente na segunda noção, na medida em que não realizou qualquer exercício de ponderação de valores conflituantes. A «teoria dos limites imanentes» do direito de propriedade – recorde-se – traduz a ideia de que este direito «nasce já com limites», pelo que, em certas situações, não chega sequer a ter aplicabilidade (cfr. Ana Luísa Pinto, “As restrições ao direito de pro- priedade não expressamente previstas na Constituição”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Rui Moura Ramos, Vol. I, Almedina, 2016, p. 35). Haverá alguma diferença estrutural entre as normas apreciadas naqueles arestos e aquelas que estão em causa nos presentes autos? No caso das primeiras, a conclusão de que os bens apreendidos ou declarados per- didos apresentavam características que os excluíam logo à partida do âmbito do direito de propriedade – sc. , a sua perigosidade, a sua utilização na prática do crime – era objeto de avaliação direta por parte do aplicador. Em contraste, no caso da perda alargada, a conclusão de que os bens advêm de atividade ilícita resulta de uma presunção. Isto poderia convidar à ilação de que não é admissível ver-se aí um limite imanente do direito de propriedade, excluindo logo à partida do seu âmbito de proteção esses bens. Não parece, contudo, que seja rig- orosamente assim. Entre outras afinidades evidentes, a perda de vantagens clássica e a perda alargada procuram, ambas, retirar ao indivíduo vantagens indevidas. A diferença está apenas na forma como se conclui que as vantagens são indevidas: no primeiro caso, através de prova direta; no segundo, através de uma presunção. Esta diferença não nega que os bens têm origem em atividades ilícitas, sendo que a circunstância de os bens terem origem em atividades ilícitas é compatível com um raciocínio como o que preside à teoria dos limites imanen- tes, no sentido de que a tutela conferida pelo direito de propriedade não contempla bens com essa proveniência. Em recente análise à constitucionalidade da apreensão de bens prevista no artigo 178.º do Código de Processo Penal, Manuel da Costa Andrade e Maria João Antunes, “Da apreensão enquanto garantia proces- sual da perda de vantagens do crime”, in Revista de Legislação e Jurisprudência , ano 146.º, n.º 4005 (2017), pp. 366 e seguintes, sustentam que a mesma deve ser perspetivada como uma restrição ao direito de proprie- dade privada, e nunca como um seu limite imanente, uma vez que, entre outras considerações, essa apreensão

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=