TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

267 acórdão n.º 498/19 visa meramente «garantir a execução de uma decisão penal que eventualmente venha a decretar a perda de vantagens do crime». Este argumento não se aplica à perda de vantagens propriamente dita – seja a clássica seja a alargada –, já que esta não apresenta aquela nota de eventualidade. De todo o modo, mesmo que por princípio se rejeite a ideia de que o direito de propriedade tem limites imanentes, dúvidas não haverá de que é possível restringi-lo para confiscar vantagens indevidas. De uma perspetiva ou de outra, a única nuance da perda alargada relativamente à clássica é que, como na primeira a ilicitude é presumida, a conclusão de que o direito de propriedade não é aí violado pressupõe que a presunção seja suficientemente firme e as possibilidades de ilidi-la razoáveis – o que requer a realização de uma específica avaliação. 16. Sucede que essa específica avaliação foi já feita no Acórdão n.º 392/15, onde se concluiu pela sufi- ciente firmeza da presunção: «[E]mbora não se exija a prova da conexão entre o ilícito criminal e os respetivos proventos, o regime da perda de vantagens da atividade criminosa exige que se mostrem verificados alguns requisitos, conforme decorre, desig- nadamente, dos artigos 7.º e 9.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro. Assim, em primeiro lugar, terá de haver condenação por um dos crimes previstos no artigo 1.º da referida Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro (tráfico de estupefacientes, terrorismo e organização terrorista, tráfico de armas, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, branqueamento de capitais, associação criminosa, contrabando, tráfico e viciação de veículos furtados, lenocínio e lenocínio de menores, tráfico de pessoas, contrafação de moeda e de títulos equiparados a moeda). Para além disso, terá de existir uma diferença entre o valor do património do arguido (integrado pelos bens enumerados nas alíneas a) a c) , do n.º 2, do artigo 7.º) e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Existindo essa incongruência de valores, a lei presume que tal diferença constitui vantagem de uma atividade criminosa (sobre os requisitos necessários à aplicação desta medida, matéria sobre a qual não há unanimidade na doutrina, designadamente quanto à necessidade de demonstração da existência de uma atividade criminosa anterior, cfr. Augusto Silva Dias, ob. cit. , pp. 44 e ss.; João Conde Correia, ob. cit. , pp. 103 e ss.; José M. Damião da Cunha, ob. cit. , pp. 124 e ss.; Pedro Caeiro, ob. cit. , pp. 313 e ss.). Para além destes requisitos de natureza material, a Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, fixa um conjunto de regras processuais a que deve obedecer este mecanismo de perda de vantagens da atividade criminosa. Desde logo, a referida discrepância entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito terá de ser invocada pelo Ministério Público na acusação, em que deverá fazer a liquidação do montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado ou, não sendo possível a liquidação no momento da acusação, a mesma poderá ainda ter lugar até ao 30.º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento (cfr. artigo 8.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro). Esta liquidação é notificada ao arguido e ao seu defensor (cfr. artigo 8.º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), podendo o arguido apresentar a sua defesa na contestação, se a liquidação tiver sido deduzida na acusação, ou no prazo de 20 dias a contar da notificação da liquidação, caso esta tenha sido posterior à acusação (cfr. artigo 9.º, n.º 4 da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro). Conjuntamente com a sua defesa, o arguido poderá oferecer a prova no sentido de demonstrar a origem lícita dos bens (cfr. artigo 9.º, n.º 5, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro), de forma a ilidir a presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 7.º, nos termos previstos nos n. os 1 a 3, do artigo 9.º, da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro. Para tal, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal (cfr. artigo 9.º, n.º 2, da Lei 5/2002 de 11 de janeiro, e 125.º do Código de Processo Penal), não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo. E, no que respeita aos factos cuja prova permite ilidir a presunção, para além de poder provar que os bens resul- tam de rendimentos de atividade lícita, o arguido poderá, em alternativa, provar que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período [cfr. artigo 9.º, n.º 3, als. a) , b) e c) da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro].

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