TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

268 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Conforme decorre da referida exposição de motivos, a Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro e concretamente as medidas previstas no seu artigo 7.º, inserem-se numa tendência político-criminal atual que vai no sentido de demonstrar, quer ao condenado, quer à comunidade, que “o crime não compensa”, através de mecanismos desti- nados a impedir que o condenado pela prática de crime que lhe tenha permitido obter elevados proventos possa conservar no seu património as vantagens assim obtidas. (...) [E]mbora o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação de um determi- nado procedimento, não está autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito a uma tutela jurisdicional efetiva. Admitindo-se que o legislador não podia ser indiferente à evidência de que o nexo causal que é objeto da pre- sunção legal questionada oferece grandes dificuldade de prova, o que é generalizadamente reconhecido, a criação de uma presunção legal de conexão não resulta num ónus excessivo para o condenado, uma vez que a ilisão da presunção será efetuada através da demonstração de factos que são do seu conhecimento pessoal, sendo ele que se encontra em melhores condições para investigar, explicar e provar a concreta proveniência do património amea- çado. As presunções legais surgem exatamente para responder a essas situações em que a prova direta pode resultar particularmente gravosa ou difícil para uma das partes, causando, ao mesmo tempo, o mínimo prejuízo possível à outra parte, dentro dos limites do justo e do adequado, enquanto a tutela da parte “prejudicada” pela presunção obtém-se pela exigência fundamentada e não arbitrária de um nexo lógico entre o facto indiciário e o facto presu- mido, o qual deve assentar em regras de experiência e num juízo de probabilidade qualificada. As normas sub iudicio correspondem a estas exigências, revelando-se que o legislador teve o cuidado de prevenir que, sendo mais difícil ao arguido provar a licitude de rendimentos obtidos num período muito anterior ao do pro- cesso, a prova da licitude dos rendimentos pode ser substituída pela prova de que os bens em causa estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido ou que foram adquiridos com rendimentos obtidos no referido período [cfr. artigo 9.º, n.º 3, als. a) , b) e c) da Lei n.º 5/2002 de 11 de janeiro]. Esta limitação temporal faz com que a prova necessária para que possa ser ilidida a presunção se torne menos onerosa. Acresce ainda que, no plano processual, o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no artigo 1.º da Lei n.º 5/2002), está sujeito a um procedimento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais. Desde logo, como vimos, o montante apurado como devendo ser declarado perdido em favor do Estado deve constar de um ato de liquidação, integrante da acusação ou de ato posterior, onde se indicará em que se traduz a desconformi- dade entre o património do arguido e o que seria congruente com o seu rendimento lícito. Este ato de liquidação é notificado ao arguido e ao seu defensor, podendo o arguido apresentar a sua defesa, nos termos já referidos, assegurando-se, assim, um adequado exercício do contraditório, sendo que, conforme se referiu, para ilidir a pre- sunção, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal, não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo, além de que o próprio tribunal deverá ter em atenção toda a prova existente no processo, donde possa resultar ilidida a presunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei 5/2002 de 11 de janeiro (artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma). Face ao exposto, é de concluir que as normas sindicadas não violam os princípios constitucionais do processo penal invocados pelo Recorrente, nem se vislumbra que viole qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que, também nesta parte, deverá ser negado provimento ao recurso.» 17. Naturalmente, quanto mais estreito for o âmbito da presunção – ou, dizendo de outro modo, quanto mais exigentes forem os seus pressupostos de aplicação –, mais firme ela será. Este aspeto tem susci- tado justificada reflexão doutrinária. Simplesmente, do ângulo constitucional em que aqui estamos coloca- dos, pode concluir-se, na linha dos Acórdãos n. os 101/15 e 392/15, que, no seu atual desenho legal, a pre- sunção estabelecida no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002 se mostra já suficientemente firme, em resultado da articulação que faz de dois elementos essenciais: uma condenação penal e uma incongruência patrimonial.

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