TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aqui saber se os princípios constitucionais da boa fé e da leal cooperação na relação entre as partes, e entre estas e o tribunal, impõem, a essa luz, que todo e qualquer ato erróneo praticado pela secretaria, mesmo quando o seja fora do âmbito do concreto processo judicial que esteja em causa ou quando desprovido de relevância direta para a normal tramitação do mesmo, deve implicar que o Estado con- forme a sua atuação e toda a tramitação processual subsequente de modo a evitar qualquer prejuízo para as partes. IV - Desde logo, como consequência correlativa aos mesmos princípios em discussão, as partes devem agir com diligência e de boa fé, não lhes sendo lícito retirar vantagem processual de erros administrati- vos que foram detetados ou que deviam ter sido detetados; qualquer conformação processual ad hoc destinada a evitar um prejuízo processual decorrente de erro ou omissão da secretaria judicial, pode consubstanciar-se numa quebra da simetria das posições processuais das diversas partes litigantes, o que justifica uma acrescida prudência na respetiva modelação. V - Ao negar a tutela aos erros e omissões dos atos praticados pelas secretarias judiciais fora do âmbito do processo no qual a parte pretende projetar os seus efeitos, a norma em causa está, afinal, a excluir pre- cisamente aqueles atos que, pela sua natureza, não tinham aquela parte como destinatária, por estarem afastados da relação jurídico-processual em que se traduz a instância. VI - Embora mesmo os erros e omissões de atos da secretaria judicial, quando praticados fora do processo, possam vir a nele ter uma implicação, ainda que mediata, essa potencial repercussão mediata no pro- cesso, geradora da perda de vantagens ou direitos processuais da parte que neles confiou, não obriga o legislador a estender a proteção das partes cíveis a todo e qualquer erro da secretaria; no caso dos erros viciadores dos atos praticados fora do processo, pode dizer-se que a sua exterioridade face às partes, cujos interesses, por definição, não foram tomados em consideração pela secretaria aquando da sua prática, associada à respetiva desvinculação da prossecução das finalidades processuais, exige das partes um maior controlo da sua correção, quando neles pretendam confiar para exercer as suas posições processuais; nessa medida, a imposição dos consequentes ónus ou cominações processuais não poderá considerar-se uma restrição do direito de acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva, não infringindo a norma sindicada o disposto no artigo 20.º da Constituição. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., Lda., e recorri- dos B. e C., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele tribunal, de 11 de julho de 2017. 2. Por acórdão proferido em 8 de março de 2016, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso de revista excecional interposto pela recorrente no âmbito de ação cível. Em 17 de maio de 2016, o mesmo Tribunal proferiu novo acórdão, indeferindo a arguição de nulidades imputadas ao precedente aresto.

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