TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

279 acórdão n.º 500/19 desprovido de relevância direta para a normal tramitação do mesmo, deve implicar que o Estado conforme a sua atuação e toda a tramitação processual subsequente de modo a evitar qualquer prejuízo para as partes. Também aqui a resposta se afigura ser negativa. Desde logo, deve notar-se que, como consequência correlativa aos mesmos princípios em discussão, as partes devem agir com diligência e de boa fé, não lhes sendo lícito retirar vantagem processual de erros administrativos que foram detetados ou que deviam ter sido detetados. Recorde-se que qualquer conformação processual ad hoc destinada a evitar um prejuízo processual decorrente de erro ou omissão da secretaria judi- cial, mormente o alargamento de prazos processuais, a concessão de faculdades processuais inexistentes ou de faculdades com escopo diverso do previsto, pode consubstanciar-se numa quebra da simetria das posições processuais das diversas partes litigantes, o que justifica uma acrescida prudência na respetiva modelação. Ao negar a tutela aos erros e omissões dos atos praticados pelas secretarias judiciais fora do âmbito do processo no qual a parte pretende projetar os seus efeitos, a norma em causa está, afinal, a excluir precisa- mente aqueles atos que, pela sua natureza, não tinham aquela parte como destinatária, por estarem afastados da relação jurídico-processual em que se traduz a instância. Não tendo sido praticados no processo e não tendo aquela parte como sua destinatária, não se pode afirmar a existência de um nexo causal entre os erros que os viciem e a perda de vantagens ou direitos processuais da parte que neles confiou, precisamente porque esses atos não haviam sido praticados com vista ou por causa do exercício desses direitos processuais. É certo que mesmo os erros e omissões de atos da secretaria judicial, quando praticados fora do processo, podem vir a nele ter uma implicação, ainda que mediata. O caso concreto dos autos ilustra bem essa pos- sibilidade. Mas essa potencial repercussão mediata no processo, geradora da perda de vantagens ou direitos processuais da parte que neles confiou, não obriga o legislador a estender a proteção das partes cíveis a todo e qualquer erro da secretaria. No caso dos erros viciadores dos atos praticados fora do processo, pode dizer-se que a sua exterioridade face às partes, cujos interesses, por definição, não foram tomados em consideração pela secretaria aquando da sua prática, associada à respetiva desvinculação da prossecução das finalidades processuais, exige das partes um maior controlo da sua correção, quando neles pretendam confiar para exercer as suas posições processuais. E, nessa medida, a imposição dos consequentes ónus ou cominações pro- cessuais não poderá considerar-se uma restrição do direito de acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva. Conclui-se, assim, que a norma sindicada não infringe o disposto no artigo 20.º da Constituição. 10. Por decair no presente recurso, é a recorrente responsável pelo pagamento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 2, da LTC. Ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, a prática do Tribunal em casos semelhantes e a moldura abstrata aplicável prevista no artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, afigura-se adequado e proporcional fixar a taxa de justiça em 20 unidades de conta. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional o n.º 6 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, quando inter- pretado no sentido de abranger apenas os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria no próprioprocesso, que detenham relevância no desenvolvimento normal dos seus termos proces- suais, com exclusão dos atos exteriores a esse processamento. b) Em consequência, julgar improcedente o recurso. c) Condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta. Lisboa, 26 de setembro de 2019. – Gonçalo Almeida Ribeiro – Maria José Rangel de Mesquita – Joana Fernandes Costa – Lino Rodrigues Ribeiro – João Pedro Caupers.

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