TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

289 acórdão n.º 501/19 distinção entre automóveis ligeiros e pesados no regime que estabelece os limites de velocidade na circulação rodoviária. E será arbitrária se não tiver qualquer relação, ou uma relação minimamente comensurável, com a ratio legis , como seria o caso se a lei fixasse limites de velocidade diversos consoante a proveniência geográfica do construtor do automóvel. Chega-se a estas conclusões, como é bom de ver, através da determinação, ainda que implícita, de um termo de comparação entre as situações diferenciadas pela lei; no caso dos limites de velocidade, cuja finalidade é mitigar o risco de acidentes e dos danos emergentes da sua ocorrência, o tertium comparationis é o conjunto das propriedades dos veículos que os tornam mais ou menos perigosos e mais ou menos aptos a provocar danos em caso de acidente − contando-se entre tais propriedades a massa do veículo, mas não a origem do seu construtor. Como vimos, a aplicação do regime da suspensão da execução fiscal aos atos tributários que tenham sido objeto de pedido de revisão no prazo de 120 dias previsto para a reclamação administrava baseia-se na ideia, acolhida na jurisprudência fiscal, de que os procedimentos são materialmente indistinguíveis – constituem meios alternativos ou formas diversas de atacar a validade do ato dentro do prazo de referência para a sua consolidação na ordem jurídica –, e que por isso a lei deve ser interpretada como dispensando tratamento idêntico a ambos os casos. Segundo este raciocínio, seria arbitrária uma solução legal que os distinguisse, atenta a finalidade do regime da suspensão da execução fiscal de evitar a ablação do património do contri- buinte quando este tenha posto em crise a validade do ato de liquidação. Como se escreveu, a este último propósito, no Acórdão n.º 349/18: «A Constituição permite expressamente a ablação do património dos contribuintes para o preenchimento das finalidades de satisfação das necessidades públicas e de justiça distributiva que comete ao sistema fiscal (artigo 103.º, n.º 1). Na verdade, constitui um dever fundamental dos contribuintes pagarem os impostos criados nos termos constitucionais – nomeadamente, com respeito pelos princípios da igualdade tributária, da segurança jurí- dica e da legalidade formal −, cuja liquidação e cobrança se façam nos termos da lei (n.º 2). E está claro que, se os cidadãos têm o dever fundamental de pagar impostos, não faz sentido dizer que a tributação do seu património, desde que conforme às exigências constitucionais, consubstancia uma restrição do direito fundamental de proprie- dade. Porém, nos casos em que é impugnado o ato de liquidação, é precisamente a adequação constitucional do imposto que é posta em causa; nessas circunstâncias, a execução da dívida fiscal constitui uma verdadeira restrição do direito de propriedade do impugnante, que sofre uma ablação patrimonial sem que se tenha consolidado na ordem jurídica o juízo sobre o seu dever fundamental de pagar o imposto correspondente.» Os termos da comparação em que repousa a equiparação entre a reclamação administrativa e o pedido de revisão, para efeitos de aplicação do regime da suspensão da execução fiscal, são a sindicância do ato pelo sujeito passivo e a prevalência da garantia do contribuinte sobre o interesse público. Por um lado, em ambos os casos o sujeito passivo põe em crise a validade do ato de liquidação, ou seja, o seu dever de pagar a dívida exequenda. Por outro lado, correndo o prazo normal para a impugnação do ato, a suspensão da execução fiscal é uma garantia do contribuinte contra a ablação abusiva do seu património. São também estes os termos da distinção entre o pedido de revisão formulado dentro e fora do prazo para a reclamação administrativa. Na verdade, não pode considerar-se idêntica a situação de um sujeito pas- sivo que dispõe de todos os meios de impugnação do ato de liquidação (e de meios de oposição à execução), com a situação de um sujeito passivo que já não dispõe de tais meios, seja por não ter exercido o poder de os acionar − sibi imputet , como se afirmou no Acórdão n.º 812/14 −, seja por ter esgotado, sem êxito, as vias impugnatórias disponíveis. É certo que a consolidação do ato após o decurso do prazo de 120 dias ou do esgotamento dos meios impugnatórios não é absoluta, dada a possibilidade de que posteriormente seja pedida a sua revisão. Porém, esta é uma possibilidade residual, que se destina sobretudo a salvaguardar o valor objetivo da conformidade jurídica da atividade da administração tributária; a sua razão de ser não é garantir os interesses do contribuinte, acautelados pelos meios impugnatórios previstos na lei. Se assim não fosse, se o pedido de revisão fosse equiparável aos meios impugnatórios comuns em toda a sua extensão,

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