TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

29 acórdão n.º 465/19 constituírem direitos, respetivamente, da gestante e do casal beneficiário, serem informados de acordo com a pre- visão do artigo 14.º, n.º 2, da LPMA]: «O casal beneficiário e a gestante foram informados por escrito dos benefícios e dos riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de PMA, das suas implicações éticas, sociais e jurídicas e do significado da influência da gestante de substituição no desenvolvimento embrionário e fetal, tendo prestado expressamente o seu consentimento para a realização dos necessários procedimentos de PMA de forma livre e esclarecida.»  42. Simplesmente, há que não confundir uma legítima acomodação contratual com uma indiferenciação ile- gítima, atenta a assimetria existente entre o que é consentido pelos beneficiários e pela gestante e a autonomia funcional do consentimento de cada uma das partes no contrato. Concentrando a atenção na gestante, verifica-se que é a saúde desta que corre maiores riscos e durante mais tempo e é ela que se vincula a suportar a gravidez e o parto e, depois deste, a entregar a criança aos beneficiários. Para a gestante, o seu consentimento cobre um significativo período de tempo, durante o qual o seu corpo e a sua saúde psicológica e emocional vão sofrendo alterações várias. Em termos funcionais, e como mencionado, a validade jurídica de qualquer uma das obrigações essenciais do contrato de gestação pressupõe a validade e eficácia do consentimento prévio da gestante, sob pena de a dignidade desta ficar comprometida. Por isso mesmo, o seu consentimento traduz o exercício do seu direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade com referência a cada uma das fases do processo de gestação de substituição (cfr. supra o n.º 28). Já para os beneficiários, depois da recolha dos gâmetas exigidos e da concretização da transferência uterina, um eventual passo atrás no que se refere ao seu consentimento, já não pode interferir com as aludidas obrigações essenciais do contrato. O caráter vinculativo do seu consentimento justifica-se em razão de tais obrigações recaí- rem sobre a gestante, e não sobre eles. Uma eventual desistência do projeto parental que assumiram inicialmente apenas poderia culminar, caso a gestação de substituição fosse bem sucedida, numa entrega para adoção. Assim, e diferentemente do que acontece no caso da gestante, o consentimento dos mesmos não está necessariamente conexionado com o exercício de direitos fundamentais seus. Aliás, como referido anteriormente, os beneficiários não têm um direito fundamental à procriação por via de gestação de substituição; esta última corresponde tão só a uma opção do legislador no sentido de possibilitar a concretização de um projeto parental que, de outro modo, não seria viável (cfr. supra o n.º 27). O legislador manteve a referência expressa e autónoma ao consentimento e à sua livre revogabilidade no artigo 14.º, n.º 4, da LPMA, determinando que tal preceito «é aplicável à gestante de substituição nas situações previstas no artigo 8.º» (vide o n.º 5 do mesmo artigo 14.º). É que, apesar de todas as conexões, a aceitação do contrato de gestação de substituição por parte da gestante não garante necessariamente a continuidade do seu consenti- mento por todo o tempo da execução do contrato. Como mencionado, o contrato pode acomodar as exigências relacionadas com o consentimento, em especial com os seus limites, mas também pode não o fazer. Neste caso, as exigências do consentimento, atenta a respetiva importância para a admissibilidade jurídica do próprio contrato, têm de prevalecer. E o legislador até o reconheceu no artigo 14.º, n.º 4, da LPMA: o consentimento é livremente revogável até ao início dos processos terapêuticos de PMA. A questão que este preceito suscita, depois, é a de saber se tal garantia, do ponto de vista da salvaguarda da dignidade da gestante, é suficiente. 43. Tal como conformado pela lei em vigor, o consentimento da gestante é prestado ex ante relativamente ao início do processo terapêutico de PMA e, a fortiori, à própria gravidez e ao parto, mais exatamente antes da celebra- ção do contrato de gestação de substituição ou nesse momento. Tal consentimento baseia-se nas informações a que se reportam os n. os 2 e 6 do artigo 14.º: respetivamente, benefícios e riscos conhecidos resultantes da utilização das técnicas de PMA, bem como das suas implicações éticas, sociais e jurídicas; e significado da influência da gestante no desenvolvimento embrionário e fetal. E o consentimento só pode ser revogado até ao início do dito processo terapêutico de PMA. Sucede que a gestação é um processo complexo, dinâmico e único, em que se cria uma relação entre a grávida e o feto que se vai desenvolvendo no seu seio. Daí poder questionar-se até que ponto é que um consentimento

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