TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

290 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de modo a justificar a suspensão da execução do ato por um período de quatro anos ou mesmo a todo o tempo (se o tributo ainda não tiver sido cobrado), o verdadeiro prazo para a impugnação de atos tributários seria muito mais alargado do que o prazo de referência de 120 dias, com manifesto prejuízo para o interesse público na execução das dívidas fiscais e na utilização das receitas dos impostos para financiar a satisfação das necessidades coletivas. Ao contrário do que alega a recorrente, pois, a norma sindicada não parece distinguir arbitrariamente situações iguais – antes parece distinguir, de forma racional, situações desiguais: o respeito pelas garantias do contribuinte, por um lado, e a possibilidade residual de revisão, por outro. Acresce um segundo argumento, porventura ainda mais decisivo. O princípio constitucional da igualdade não proíbe o tratamento desigual de situações materialmente idênticas. A desigualdade releva apenas na medida em que implique o tratamento desigual de categorias de pessoas, porque só estas possuem «dignidade social» e são «iguais perante a lei» (artigo 13.º). É em virtude da igualdade perante a lei dos proprietários de automóveis que o legislador não pode ( ceteris paribus ) fixar limites de velocidade diversos consoante a origem geográfica do construtor; mas, precisamente por isso, uma lei que, sem nenhuma razão aparente, fixa diversos limites de velocidade em diversos troços de um e o mesmo percurso, não viola o princípio constitucional da igualdade, na medida em que daí não resulta um trata- mento desigual de pessoas com igual dignidade social. Significa isto que a censura constitucional baseada no princípio da igualdade não se basta com a demonstração de que uma distinção legal é arbitrária – é necessário demonstrar que daí decorre um tratamento desigual de grupos ou categorias de pessoas. Ora, ainda que se reputasse arbitrária, não se vê como a distinção, para efeitos de suspensão da execução fiscal, entre pedidos de revisão dentro e fora do prazo da reclamação administrativa, se possa repercutir no tratamento desigual de grupos ou categorias de contribuintes. Isto pela simples razão de que o pedido de revisão do ato pode ser formulado, antes ou depois daquele prazo, por qualquer sujeito passivo. A diferença de regime não é apta a provocar uma distribuição desigual de vantagens ou sacrifícios entre pessoas que a lei deveria tratar igualmente; está na disponibilidade integral dos destinatários. Por esta razão, a norma sindi- cada claramente não ofende o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. 10. A recorrente alega ainda a violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (n.º 4 do artigo 268.º da Constituição), refração no domínio da justiça administrativa do direito de acesso à justiça, consagrado no artigo 20.º. É seu correlativo o dever de que se instituam os meios adequados para assegurar «nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares». O legislador tem aqui, é certo, uma ampla liberdade de conformação. Como vimos, a lei concede ao executado diversos meios de impugnação, administrativa e contenciosa, dos atos tributários, constituindo o pedido de revisão do ato tributário (apresentado fora do prazo de recla- mação administrativa) um meio complementar que não encontra paralelo no Código do Procedimento Administrativo. Em face da pluralidade de meios de defesa previstos na lei – cuja suficiência e eficácia a recorrente não questiona –, não pode, pois, considerar-se que a norma que constitui objeto do presente recurso ofende o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados (vide o Acórdão n.º 363/04). Poderia enfim – ainda que a recorrente o não tenha feito – questionar-se o seguinte: estando o crédito tributário salvaguardado pela prestação de garantia idónea, será a execução da dívida necessária para prosseguir os legítimos fins visados pela tributação? Importa ter presente que, podendo o pedido de revisão «oficiosa» do ato tributário ser apresentado no prazo de quatro anos ou a todo o tempo (se o tributo ainda não tiver sido cobrado), a solução preconizada pela recorrente redundaria na proteção do património do devedor por período indefinido, sacrificando-se integralmente o «interesse público subjacente à atividade da cobrança dos impostos, cuja eficiência é essen- cial para o regular funcionamento dos serviços públicos, vocacionados à satisfação de necessidades coletivas»

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