TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

299 acórdão n.º 502/19 se considerar que «a autonomia do ilícito disciplinar não é suficiente para fundamentar o afastamento, em relação a ele, do disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição», concluiu-se que «o disposto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição proíbe igualmente a atribuição às sanções disciplinares de efeitos automáticos que consistam na perda de direitos civis, profissionais ou políticos». Na doutrina, também se vê sufragada esta orientação. É assim que em Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, I, Coimbra, 2007, 506, se pode ler, em referência específica ao n.º 4, que «não se vê razão para [o] restringir ao domínio criminal, justificando-se a sua aplicação aos demais domínios sancionatórios, aliás por maioria de razão». [Fica assim] assente a aplicabilidade do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição (…)”. 34. Resolvida a primeira dúvida potencial e aceitando a aplicabilidade do disposto no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, também ao direito sancionatório não criminal, nomeadamente às penas disciplinares, procuraremos apurar se a norma jurídica impugnada, ínsita no n.º 1, do artigo 194.º, do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 21/2007/A, de 30 de agosto, na redacção dada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 25/2015/A, de 17 de dezembro, se revela susceptível de violar o princípio constitucional contido naquele preceito. 35. Sobre o conteúdo do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e de entre os vários autores que o têm tratado, começamos por recordar o afirmado por Jorge Miranda, a páginas 685 da Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra, 2010, a saber, que: “O n.º 4 é um dos preceitos que mais dificuldades coloca em termos de interpretação e, por isso, mais tem suscitado a intervenção do tribunal Constitucional. De facto, dizer-se que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, tanto pode significar que o conteúdo da pena criminal não envolve necessariamente aqueles efeitos (p. ex., a suspensão de execução da pena de pri- são subordinada ao não exercício de determinadas profissões), como pretenderá, em alternativa, afirmar que conjuntamente com a aplicação de uma pena não devem existir efeitos que impliquem, por forma automática, a perda de direitos civis, políticos, ou profissionais. Porventura será esta segunda interpretação a que melhor se adequa à história do preceito (…)”. 36. Complementando este entendimento, discorrem, igualmente, Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Cons- tituição da República Portuguesa Anotada , Coimbra Editora, 2007, páginas 504 e 505, ensinando que: “O que se pretende é proibir que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática, meca- nicamente, independentemente de decisão judicial, por efeito directo da lei ( ope legis ), uma outra «pena» daquela natureza (cfr. AcsTC n. os 442/93 e 748/93). A teleologia intrínseca da norma consiste em retirar às penas efeitos estigmatizantes, impossibilitadores da readaptação social do delinquente, e impedir que, de forma mecânica, sem se atender aos princípios de culpa, da necessidade e da jurisdicionalidade, se decrete a morte civil, profissional ou política do cidadão (cfr. AcsTC n. os 16/84, 91/84, 310/85, 75/86, 94/86, 284/89, 748/93, 522/95, 202/00, 562/03 e muitos outros). Impõe-se, pois, em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do juiz (cfr. AcsTC n. os 552/95 e 422/01). «Perda» de direitos tanto pode querer significar perda definitiva, como incapacidade ou impossibilidade temporária de os exercer. Neste sentido, a suspensão é uma perda temporária. «Direitos civis, profissionais ou políticos» parece querer significar, respectivamente, os direitos que integram a capacidade civil (artigo 26.º-1) ou outros direitos de natureza civil (ex.: direito de condução de veículos automóveis), os direitos de escolha e exercício de profissão e de acesso à função pública (artigo 47.º), o direito de progressão na carreira (cfr. AcTC n. os 355/99) e os direitos de participação política, designadamente o direito de sufrágio e o direito de acesso a cargos públicos (artigos 49.º e 50.º)”.

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