TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

30 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prestado ainda antes da gravidez, relativamente a todo o processo da gestação de substituição, desde a implantação do embrião até ao parto e, mesmo depois, até à entrega da criança aos beneficiários, é verdadeiramente informado quanto à totalidade desse mesmo processo. No Relatório sobre Procriação Medicamente Assistida e Gravidez de Substituição, elaborado pelo Conselheiro- -Presidente Miguel Oliveira da Silva em vista do Parecer n.º 63/CNECV/2012, evidencia-se que a gestante não é neutra nem biológica nem afetivamente em relação ao feto e que existe uma interação entre ambos muito signifi- cativa: «3.4. O ambiente uterino e sua influência determinante na pessoa humana O microambiente uterino condiciona o funcionamento da placenta e o desenvolvimento do epigenoma fetal, isto sem alterar a sequência do DNA, leva a modificações do epigenoma (conjunto das modificações na cromatina […], por metilação da DNA, modificações na histona e no micro RNA não codificante ( non-coding ). A gravidez é um tempo vulnerável e constitui, entre outros aspetos, o momento por excelência de ativa pro- gramação do epigenoma do embrião-feto, condicionando e definindo a expressão dos genes do embrião/feto, para sempre: a expressão dos genes (ativação e desativação) do embrião/feto/criança é moldada pela gestação intrauterina, ativando uns genes, desativando outros, muito se jogando logo desde a própria implantação do embrião no útero. A implantação é um fenómeno cientificamente cada vez mais determinante no futuro do embrião-feto e que, obviamente, varia de útero para útero. O recém-nascido não é a mesma pessoa de acordo com o útero em que é gerado: há uma diferente identi- dade (até epigenética). A mulher grávida altera a expressão genética de cada embrião. E inversamente: o embrião/feto altera a mãe gestatória, para sempre (até no simples plano biológico, já para não falar nos aspetos emocional e espiritual) – nenhuma mulher é a mesma pessoa (considerando apenas a biologia, já sem falar na vida psíquica e espiritual) depois de cada gravidez, dado o DNA fetal em circulação materna. A grávida de substituição pode entregar a criança após o parto à mãe “legal-social”, mas terá toda a sua vida na respetiva circulação DNA desse ser humano, possivelmente com consequências na respetiva saúde e comportamento – a relação não termina com o cumprimento do contrato. A grávida não se limita a “alimentar” o feto, altera-lhe a expressão dos genes; o microambiente uterino dá-lhe muito mais do que nutrientes e oxigénio: dá-lhe anticorpos, emoções, reprograma-lhe os genes (condi- cionando, possivelmente, futuras patologias e talvez comportamentos da pessoa que vai nascer)» (pp. 29-30). A partir destas considerações, bem como do conhecimento da possibilidade de ocorrência de malformações do feto ou doenças fetais ou de que qualquer gravidez envolve, em maior ou menor grau, riscos para a saúde física ou psíquica da grávida (cfr. o artigo 8.º, n.º 10 da LPMA e o artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal), pode concluir-se com referência ao processo de gestação: – Que se trata de um fenómeno dinâmico e imprevisível quanto a uma série de vicissitudes possíveis quer quanto ao feto-nascituro, quer quanto à grávida; – Que no seu âmbito se constitui uma relação biológica e potencialmente afetiva entre a grávida e o feto; – Que tal processo também pode interferir com a autocompreensão da própria gestante. Estas características da gravidez condicionam decisivamente a possibilidade de um esclarecimento cabal ou de uma informação completa ex ante e, consequentemente, a própria posição da gestante face aos beneficiários: não sendo possível antecipar e prever o que vai ocorrer nas várias fases, desde a implantação do embrião até à entrega da criança, pode duvidar-se da existência de um consentimento suficientemente informado e, como tal, adotado com plena consciência de todas as possíveis consequências. Inexistindo um esclarecimento suficiente, a escolha realizada também não poderá considerar-se verdadeiramente livre. Em tais condições, caso a gestante se venha a opor à execução do contrato de gestação de substituição, é de concluir que uma eventual execução forçada do mesmo, ou

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