TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

330 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL perfeitamente articulado também não deverá conduzir a um alargamento da reserva para além do que se acha estabelecido na Constituição. Concretamente: também não deverá nem poderá traduzir-se num absoluto bloqueamento da legislação governamental autónoma no domínio da função pública até que a Assembleia da República proceda, em diploma ou diplomas adrede emitidos para o efeito, à fixação e sis- tematização das respetivas bases gerais. Definido o seu alcance nos termos indicados, o que a reserva do artigo 168.º, n.º 1, alínea u) , implica, sim, é a necessidade de, a partir dos numerosos e dispersos textos legais regulamentadores da função pública, e sem, natu- ralmente, perder de vista o respetivo contexto, maxime institucional e histórico, averiguar e estabelecer as linhas de força estruturais dessa regulamentação, os princípios básicos que a informam e caracterizam, pois aí se situará a linha de fronteira entre o que pertence e o que não pertence à competência legislativa exclusiva da Assembleia da República. Nessa competência entrará só – como é óbvio – o que contenda com aqueles princípios, por importar a sua substituição, modificação ou derrogação; sobre tudo o mais, poderá o Governo legislar sem necessidade de qualquer autorização prévia. Numa palavra, e para nos servirmos de uma consabida distinção, dir-se-á: a reserva parlamentar inclui apenas o que tenha a natureza de uma regulamentação de princípio, por constituir, ou coenvolver uma redefinição de «princípios jurídicos»; a emissão de normas que não briguem com esses princípios, mas representem unicamente uma diferente modelação ou concretização deles, essa encontra-se o Governo habilitado a fazê-la autonomamente.» Este entendimento foi confirmado pela jurisprudência posterior – vide, por exemplo, o que se refere no Acórdão n.º 208/02: «Decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente o Acórdão n.º 233/97 (in AcTC , 36.º Vol., pp. 503 e seguintes) e dos Acórdãos aí citados, que a criação de exceções ou o estabelecimento de princípios contrários em matéria de bases do regime e âmbito da função pública não podem ser considerados como consti- tuindo o desenvolvimento de tais bases. Isso significa necessariamente que a criação de tais exceções ou princípios contrários aos contidos nas bases da função pública consubstancia uma invasão da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, prevista no artigo 165.°, n.º 1, alínea t) , da Constituição. Com efeito, ainda que se admita que a reserva estabe- lecida nesta última norma não abrange a particularização e a concretização do regime da função pública […], ela não pode deixar de incluir a criação de exceções ou o estabelecimento de princípios contrários àqueles que podem considerar-se os princípios básicos definidores das bases de tal regime, sob pena de se abrir a porta a um esvazia- mento da reserva pela via da multiplicação de regimes excecionais.» 16.2. A jurisprudência constitucional ensaiou já várias propostas de densificação do conceito constitu- cional de «bases do âmbito e regime da função pública». A este propósito, pode mesmo dizer-se, tal como faz o Acórdão n.º 793/13, que «o conceito constitucional de «base do regime da função pública» é um conceito aberto a conteúdos diversos, caracterizados pela sua importância para a estruturação do regime jurídico das relações de emprego público». O Acórdão n.º 620/07 assim ponderou: «[…] o artigo 165º, n.º 1, alínea t) , integra na reserva relativa parlamentar «as bases do regime e âmbito da função pública», o que poderá ser entendido como tudo o que se refere à relação jurídica de emprego público e à delimitação do seu âmbito, onde se poderão incluir normas relativas à demarcação das áreas em que os organismos e os servidores do Estado ficam submetidos a esse regime legal, bem como aquelas que respeitem ao recrutamento ou ao regime de aposentação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, citada, p. 676).

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