TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

333 acórdão n.º 502/19 desenvolvimento legislativo. Inversamente, um indício seguro da existência de uma lei de bases é a exigência por ela estabelecida de desenvolvimento ou de regulamentação mediante decreto-lei (nestes precisos termos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , 3.ª edição, citada, p. 508). No caso vertente, já tomámos em linha de conta que o Decreto n.º 173/X, não tendo sido emitido ao abrigo da alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, nem se autodenominando como uma lei de bases, é um diploma heterogéneo que contém bases e princípios gerais do regime jurídico que pretende regular, mas também, nalguns casos, o desenvolvimento legislativo desses princípios, e, noutros, a remissão da sua concretização para regulamento administrativo. Não podendo ser tido como uma lei de bases, poderá suceder que algumas das suas normas possam ser quali- ficadas como bases do regime da função pública. Como tais devem entender-se aquelas que, num acto legislativo, definam as opções político-legislativas fundamentais cuja concretização normativa se justifique que seja ainda efectuada por via legislativa (Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, citado, p. 755; Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, tomo V, 3.ª edição, Coimbra, p. 377; Acórdão do Tribunal Constitu- cional n.º 261/04).» A doutrina antecipou, em sentido corroborante, a qualificação feita pelo legislador. Como escreveu Paulo Veiga e Moura, as bases do regime e âmbito da função pública «começam logo por integrar a definição do regime jurídico da Função Pública e as circunstâncias em que o mesmo pode eventualmente ser substi- tuído por outra normação. Depois, as bases compreenderão igualmente a disciplina fundamental de todas as matérias cuja regulamentação a Constituição remeta para a lei, nomeadamente o regime de acumulação de funções, o sistema de incompatibilidades, o direito de regresso sobre os funcionários e agentes. Por fim, assumirá a natureza de base do regime a tipicização das formas de constituição, modificação ou extinção da relação de emprego público, o sistema de carreiras ou categorias da Função Pública, as condições gerais para ingressar e aceder aos lugares superiores, os direitos reconhecidos e os deveres impostos, o sistema retributivo e as suas componentes, o regime sancionatório, as garantias jurídicas e os meios de resolução de conflitos» (vide do Autor, A Privatização da Função Pública , Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 101). 16.3.2. Depois, afigura-se que a norma sindicada não deixa de contender com elementos essenciais do regime disciplinar aplicável aos trabalhadores em funções públicas. 16.3.2.1. Abrangendo a reserva de competência legislativa as bases do regime da função pública, cabe à Assembleia da República definir os princípios fundamentais, as opções político-legislativas estruturantes e a definição dos aspetos identificativos do regime da função pública, “daquilo que é comum e geral a todos os funcionários e agentes” (assim, Ana Fernanda Neves, “O Direito da Função Pública”, in Paulo Otero/Pedro Gonçalves (coord.), Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. IV, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 359- 556, pp. 386-387). Perante esta reserva de competência do Parlamento, a intervenção legislativa do Governo (a menos que munida de credencial parlamentar, por via de lei de autorização legislativa) corresponderá à concretização ou desenvolvimento do regime regulado pela lei da Assembleia da República, tarefa à qual se associam limites. Como escreve Paulo Veiga e Moura «[c]ontudo, a autonomia do Governo não lhe permite criar um ordena- mento diverso, pois a criação de excepções ou o estabelecimento de princípios contrários ao regime definido pelas “bases” não são considerados como desenvolvimento das mesmas» ( A Privatização da Função Pública , cit., p. 99). Assim, também quanto aos poderes legislativos das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, mesmo se incluída a Administração Pública Regional nas matérias enunciadas no Estatuto Político-Admi- nistrativo da Região Autónoma [assim, no artigo 49.º, n.º 3, do Estatuto Político-Legislativo dos Açores: «A matéria da organização administrativa da Região abrange, designadamente: a) A organização da administra- ção regional autónoma direta e indireta, incluindo o âmbito e regime dos trabalhadores da administração

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