TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

349 acórdão n.º 503/19 processo penal português não é ab initio totalmente contraditório, opondo-se às construções autenticamente acu- satórias. 12. O sistema processual penal português com um inquérito predominantemente inquisitório tem a vantagem, segundo o autor – seguido por aquele Acórdão –, de excluir os perigos para o interesse público na repressão da criminalidade e para o interesse do arguido no seu bom nome e reputação e em que a paz jurídica não seja posta em causa senão em face de uma suspeita com um mínimo razoável de fundamento. 13. Contudo, por muito que se reconheça a obra de referência do Mestre Jorge de Figueiredo Dias, designa- damente no domínio processual penal, também se tem presente que as passagens citadas pelo referido Acórdão se referem às lições coligidas do Professor de 1988-89. 14. Até hoje, está ainda por demonstrar que aquele inquérito de cariz predominante inquisitório traga van- tagem alguma para a repressão da criminalidade, sendo que a estrutura acusatória não parece comprometer esse mesmo fim. 15. Aliás, não falta quem defenda uma superioridade do modelo anglo-saxónico tanto na protecção de direitos fundamentais, como o princípio da presunção de inocência, como na eficácia da repressão criminal. 16. Seja como for, o que não se pode sustentar é que haja vantagem alguma num inquérito que constranja o princípio do contraditório, quando nem sequer é finalidade da fase de inquérito a repressão da criminalidade. 17. Verdadeiramente, o inquérito visa saber se há ou não indícios de crime. 18. Veja-se o artigo 262.º do CPP: “O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, deter- minar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação”. 19. E ainda o artigo 283.º do CPP: “Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, no prazo de 10 dias, deduz acusação contra aquele”. 20. O legislador não poderia ter sido mais claro: o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime – ou seja, apurar se o crime sob suspeita existiu ou não –, em ordem à decisão sobre a acusação – i. e. , de forma a permitir que o Ministério Público conclua se deve deduzir acusação ou se, pelo contrário, deve proceder ao arquivamento do processo. 21. O interrogatório de arguido é, necessariamente, uma das diligências de prova essenciais para se apurar a existência de um crime, bem como as circunstâncias e modo em que o mesmo terá ocorrido, 22. Sendo, de resto, um mandamento legal, previsto no artigo 272.º, n.º 1, do CPP. 23. Nos termos do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, e 143.º, n.º 2, do CPP, e 144.º, n.º 1, do CPP, o arguido deve ser confrontado com os factos que lhe estão a ser imputados no acto de interrogatório e em momento anterior à prestação de declarações. 24. Bem se compreende que assim seja, porque só dessa forma o arguido tem a possibilidade de esclarecer os factos que lhe são imputados e, se for caso disso, apresentar as provas que afastam as suspeitas que sobre si recaem. 25. Só dessa forma pode o interrogatório de arguido ter uma verdadeira utilidade para a investigação, por um lado, e só dessa forma se permite que o arguido possa exercer, de forma plena e cabal, o seu direito de Defesa e o seu direito ao contraditório. 26. Uma interpretação como aquela que é sustentada na Decisão em apreço, suportada nos já referidos Acór- dãos, permite, no limite, que o Arguido não seja confrontado com qualquer facto, e que, portanto, reitera-se a ideia, o interrogatório de arguido seja uma mera formalidade, um acto processual de fachada e para inglês ver, o que se afigura inadmissível e, o que é mais, violador dos preceitos e princípios constitucionais já invocados.

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