TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

350 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 27. Por outro lado, a realidade social e jurídica hodierna já não corresponde àquela do final dos anos oitenta do séc. XX em que as lições de Jorge de Figueiredo Dias foram ministradas. 28. Hoje, já não pode dizer-se que o bom nome e a reputação do arguido e a paz jurídica se encontram salva- guardados ainda que este não seja chamado a exercer o contraditório na fase de inquérito. 29. O bom nome e a reputação do arguido e a paz jurídica já não precisam de uma suspeita com um mínimo razoável de fundamento para serem aniquilados. 30. A tendência frenética actual dos trials by newspaper não espera por um fundamento minimamente razoável para julgar em praça pública, ao estilo do medieval pelourinho, os arguidos acusados. 31. Mesmo muito antes de qualquer sentença, audiência de julgamento ou pronúncia. 32. É, nos dias de hoje, essencial que seja dada ao arguido a possibilidade de ser confrontado, em interrogató- rio, com todos os factos concretos que venham a ser inseridos na acusação contra ele deduzida. 33. Nem que seja, repete-se, para oferecer contra-prova suficiente que permita uma oportunidade para se evitar o linchamento público de uma acusação formal, suficiente para afectar gravemente a presunção de inocência do arguido. 34. Em segundo lugar, para este Tribunal, no Acórdão n.º 72/2012, do artigo 32.º, n.º 5, da CRP decorre a inexistência de uma imposição constitucional de uma audição contraditória do arguido durante a fase de inquérito. Vejamos. 35. O referido 32.º, n.º 5, da CRP, dispõe que “[o] processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”. 36. Assim sendo, na perspectiva daquele Acórdão, apenas nos casos de arguido detido é que há uma imperati- vidade constitucional da comunicação das causas que determinaram a detenção, de modo a conferir-lhe oportuni- dade de defesa, nomeadamente através do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, nos termos do artigo 141.º, n.º 4, do CPP e 27.º, n.º 4, e 28.º, n.º 1, da CRP. 37. Tal resultaria da natureza garantística desse interrogatório, em função da privação de liberdade do arguido detido. 38. Como razão suplementar, é também referida a existência de uma fase de instrução, como fase prévia ao julgamento em que o arguido, perante prévio conhecimento de todos os factos e meios de prova constantes da acusação, pode exercer na plenitude o seu direito de defesa, sem os constrangimentos impostos na fase de inquérito. Ora, 39. Quanto a estas ideias, aceita-se que o interrogatório de arguido detido se revista de um especial garantismo, em função da privação de liberdade. 40. Porém, o que não pode aceitar-se é que a privação da liberdade seja o único fundamento atendível para o confronto do arguido, em sede de inquérito, com todos os factos de que poderá vir a ser acusado. 41. Há outros interesses e direitos constitucionais que justificam um igual garantismo, mesmo não se tratando de arguido detido, razão pela qual o Recorrente nem sequer assinalou os artigos 27.º e 28.º como padrões de cons- titucionalidade no seu requerimento de recurso. 42. Desde logo, o princípio da presunção de inocência garantido pelos artigos 32.º, n.º 2, da CRP, 14.º, § 2, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, e 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”). 43. Que é lesado em grande medida por uma acusação que não tenha permitido ao arguido defender-se dos factos que lhe são imputados ou de que é suspeito, antes de aparecerem na matéria de facto da acusação pública. 44. Poderia suceder, por exemplo, que o confronto do arguido revelasse a desnecessidade de prosseguir a inves- tigação quanto a certos factos e a inadequação da sua constância na acusação.

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