TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

351 acórdão n.º 503/19 45. Aliás, na Directiva (EU) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspectos da presunção de inocência, destaca-se que o suspeito e o arguido têm o direito de não ser apresentados como culpados pelas autoridades públicas antes da decisão definitiva (artigo 4.º). 46. Porém, além do princípio da presunção de inocência, coarcta-se a mais ampla garantia de defesa do arguido em processo penal, mormente na forma da restrição do contraditório do arguido e do princípio do acusatório. 47. Na verdade, se o artigo 32.º, n.º 5, da CRP, exige o contraditório quando a lei o determinar, 48. Sendo que o Acórdão 72/12 parece ignorar o que dispõem os artigos 61.º, n.º 1, alínea g) , e 272.º, n.º 1 do CPP e o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, que impõem aquele direito ao contraditório. 49. Sendo que somente garantindo a confrontação do arguido com os factos que potencialmente poderão constar da acusação, será aquele tido como legitimamente acusado pelo Ministério Público sem que possa falar-se numa “acusação-surpresa” ou num qualquer entorse do princípio do acusatório. 50. Pelo exposto, errou a Decisão objecto da presente Reclamação ao julgar não inconstitucional a interpre- tação dos artigos 120.º, n.º 2, alínea d) , 141.º, n.º 4, 143.º, n.º 2, e 272.º, n.º 1, do CPP, no sentido de não se considerar nulo o inquérito quando um arguido é acusado pela prática de um ou mais crimes com base em factos e meios de prova com os quais não foi confrontado no(s) seu(s) interrogatório(s), 51. Devendo V. Exas. julgar inconstitucional tal interpretação normativa dos referidos preceitos legais. b. A Segunda Questão de (In)Constitucionalidade 52. Nesta sede, a norma que se pretende que este Tribunal aprecie resulta da interpretação e aplicação dos artigos 125.º, 188.º, n.º 10, e 340.º, n.º 1, do CPP – na redacção que lhes foi conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto –, no sentido de que o tribunal de julgamento pode ordenar, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, a transcrição e respectiva junção aos autos, para valerem como prova, de escutas telefónicas não transcritas nos termos definidos pelo artigo 188.º, n.º 9, do CPP. 53. Os fundamentos invocados pela Decisão para o não conhecimento da questão foram (i) a inexistência de dimensão normativa do objecto do recurso e (ii) a falta de correspondência entre o enunciado da pretensa interpre- tação erigida como objecto de recurso e o decidido pelo acórdão recorrido. Ora, 54. Em primeiro lugar, no que ao pressuposto da dimensão normativa do objecto do recurso diz respeito, entende-se, na Decisão, que toda a argumentação formulada pelo Recorrente no recurso de fls. 44944-44964 do despacho proferido nas instâncias é dirigida ao modo como o despacho então recorrido procedeu à interpretação e aplicação das disposições legais contidas nos artigos 188.º, n.º 9 e 10, do CPP e conjugadas com os artigos 125.º e 340.º, n.º 1, do mesmo diploma. 55. Apesar de a Decisão entender que o que estaria em causa seria a melhor interpretação e aplicação dos pre- ceitos legais ao caso dos autos e, como tal, uma espécie revisão de mérito, 56. O que realmente está em causa é que a errónea interpretação adoptada pelo acórdão recorrido redunda em interpretação normativa inconstitucional. 57. O que se pretendia, portanto, era que o tribunal a quo tivesse interpretado as referidas normas de forma distinta, por isso mesmo tendo o Recorrente feito referência às regras de hermenêutica jurídica em sede de recurso. 58. Porém, a interpretação que o acórdão recorrido fez não foi apenas uma interpretação juridicamente des- locada ou, salvo melhor opinião, errada das normas indicadas, mas sim uma autêntica interpretação normativa contrária à norma normarum que deve ser sindicada pelo Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta. 59. É evidente que a determinação precisa das fronteiras entre (a) o controlo sobre uma norma em sentido formal, (b) uma interpretação normativa e (c) o que já cai num controlo da própria decisão judicial se presta a dúvidas e incertezas irrenunciáveis.

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