TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

352 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 60. E se o recurso de fiscalização concreta não pode tornar-se, em razão da arquitectura do sistema de controlo constitucional nacional, numa espécie de “recurso de amparo”, forjando-se ou forçando-se o conceito de “inter- pretação normativa”, 61. Também não pode a exigência do controlo normativo ser rígida de tal ordem que impeça, de forma assaz abusiva e contrária à própria jurisprudência constitucional, a sindicância de interpretações normativas inconstitu- cionais. 62. In casu , o Recorrente delimitou a interpretação normativa dos artigos 125.º, 188.º, n.º 10, e 340.º, n.º 1, do CPP de forma minimamente clara e concludente, precisando a interpretação das normas convocadas e o seu concreto sentido como aplicado pela decisão recorrida. 63. Como indica A. Castanheira Neves: “[A interpretação e]m termos estritos e próprios, e a implicar um problema específico no quadro do pen- samento jurídico, é o acto metodológico de determinação do sentido jurídico normativo de uma fonte jurídica em ordem a obter dela um critério jurídico (um critério normativo de direito) no âmbito de uma problemática realização do direito e enquanto momento normativo-metodológico ” (realces nosso) 2 [2 A. Castanheira Neves, Digesta. Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2010, p. 338.]. 64. E conclui o mesmo autor: “E isto significa, por um lado, que o critério normativo que a fonte jurídica interpretanda ofereça só pode oferecê-lo pela mediação da interpretação” (destaques nosso) 3[ 3 A. Castanheira Neves, Digesta. Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2010, p. 338.]. 65. Em segundo lugar, quanto ao pressuposto da ratio decidendi , começa por se argumentar na Decisão que o arco normativo considerado no enunciado da questão de (in)constitucionalidade que se pretende ver sindicada não encontra correspondência integral na decisão recorrida, que não faz apelo ao artigo 125.º do CPP. 66. Contudo, ainda que não seja feita menção expressa ao artigo 125.º do CPP, tal não significa que não tenha sido mobilizado ou tido como pressuposto da decisão o comando jurídico que dela advém. 67. Na verdade, qualquer decisão no domínio do regime jurídico da prova não pode senão partir do princípio da legalidade da prova consagrado no artigo 125.º do CPP, ainda que por razões atinentes à necessária celeridade processual se omita tal princípio na fundamentação do acórdão. 68. Aquela é, sempre, uma norma-princípio convocável e convocada. 69. Por outro lado, diz-se na Decisão que os pressupostos da “melhor” tese interpretativa sustentada pelo Recorrente não são acolhidos nem secundados pelo acórdão recorrido. 70. Porém, é precisamente sobre a constitucionalidade da interpretação normativa acolhida pelo acórdão recor- rido que se pretende que este Tribunal se pronuncie em sede de fiscalização concreta, 71. Porque o juízo sobre os pressupostos necessários para aplicação de uma norma é, ele mesmo, um juízo interpretativo sobre o caso hipotético pressuposto pela norma. 72. Ou seja, não se deseja que este tribunal dê força à tese interpretativa do Recorrente, mas sim que avalie da (in)constitucionalidade da interpretação normativa do acórdão recorrido. 73. Por fim, defende-se na Decisão que o poder de o juiz de julgamento ordenar a junção aos autos de novas transcrições não é determinado pela iniciativa do Ministério Público, já que segundo o Tribunal a quo aquele poder-dever é exercido pelo juiz, seja oficiosamente, seja a requerimento do Ministério Público ou da defesa, sendo determinado pelo objectivo último da descoberta da verdade e da boa decisão da causa, 74. Afirmando-se, ainda, que o Tribunal da Relação do Porto (“TRP”) aplica os artigos 188.º, n.º 10, e 340.º, n.º 1, do CPP e que o Recorrente tem por inaplicável ao caso dos autos.

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