TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

354 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 85. A própria Decisão da qual ora se reclama atende às passagens do TRP que aqui se citam. 86. Como demonstram as frases destacadas supra destacadas, o acórdão recorrido extrai verdadeiramente uma interpretação normativa dos artigos 328.º, n.º 6, e 355.º do CPP, no sentido de que a comunicação da junção aos autos de prova documental e exercício do contraditório em sede de audiência de julgamento pelo Ministério Público constitui produção de prova e motivo de interrupção/adiamento da audiência. 87. Se assim não fosse, o TRP não teria tido base legal – rectius , normativa – para interromper o decurso do prazo de 30 dias previsto no artigo 326.º, n.º 3, do CPP e, como tal, manter a eficácia da prova produzida. 88. O acórdão recorrido não se limitou a qualificar a prova produzida nos autos. 89. Antes pronunciou-se sobre a interpretação a dar ao segmento do artigo 355.º, n.º 1, do CPP “quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”. 90. De que outro modo poderia o tribunal chegar a um entendimento do que é uma prova produzida em audiência senão extraindo da referida norma uma interpretação normativa em sentido próprio? 91. É certo que este Tribunal não pode sindicar a qualificação operada pelo acórdão recorrido, nem é intenção do ora Recorrente que o Tribunal Constitucional se substitua ao tribunal a quo afirmando se a prova em causa é prova pessoal ou prova documental. 92. Mas não está vedada ao Tribunal Constitucional – e por isso deve o recurso de fiscalização concreta inter- posto pelo ora Recorrente ser admitido – a possibilidade de verificar se tal qualificação se baseou ou não em inter- pretação normativa inconstitucional dos artigos 328.º, n.º 6, e 355.º do CPP, violadora das garantias de defesa e dos princípios da continuidade da audiência ou concentração, oralidade e imediação, corolários do direito a um processo justo e equitativo, previstos nos artigos 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da CRP. d. A Quarta Questão de (In)Constitucionalidade 93. Em terceiro lugar, pretendia o Recorrente submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a inconsti- tucionalidade que resulta da interpretação e aplicação dos artigos 1.º, alínea f ) , 358.º e 359.º do CPP, no sentido de ser qualificável e admissível como alteração não substancial dos factos a introdução de factos novos, quando tais factos digam respeito a um elemento típico do crime ou à sua forma de execução, incluindo tempo e modo. 94. Declara a Decisão que não estão reunidos os pressupostos de (i) existência de verdadeira interpretação normativa dos preceitos legais invocados e (ii) correspondência entre a dimensão normativa impugnada e o efec- tivamente decidido e aplicado pelo TRP. 95. Quanto ao primeiro fundamento de não admissão do recurso, a Decisão refere que o objecto do recurso corresponde à discordância do Recorrente quanto ao juízo subsuntivo formulado pelo tribunal a quo, que concluiu pela não subsunção das alterações à matéria de facto quer na previsão do artigo 358.º, quer na do artigo 359.º, já que as considerou notoriamente irrelevantes. 96. Esquece a Decisão, porém, que tais não foram as únicas normas invocadas pelo Recorrente quanto à ques- tão de (in)constitucionalidade em causa. 97. É importante perceber que tanto o artigo 358.º e 359.º incluem no texto legal, respectivamente, as expres- sões “alteração não substancial dos factos” e “alteração substancial dos factos” e, como tal, conceitos a serem den- sificados por recurso a interpretação. 98. Mas mais: tal interpretação é facilitada pelo legislador processual penal que, no artigo 1.º, alínea f ) , do CPP, definiu legalmente o conceito de alteração substancial factos como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação”. 99. Tendo o artigo 1.º, alínea f ) , do CPP sido também invocado como objecto do recurso de constituciona- lidade. 100. Socorrendo-nos, uma vez mais, das lições de A. Castanheira Neves: “A exigência de interpretação, ou a sua mediação necessária, em toda a problemática aplicação concreta das normas jurídicas, faz como que seja já hoje obsoleta, posto que não deixe de ter ainda alguma sobrevivência, a tese da exclusão da interpretação, desde que a fonte interpretanda se exprimisse num texto claro e inequívoco

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