TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

355 acórdão n.º 503/19 ( in claris non fit interpretatio ) como enunciavam os juristas medievais e pôde ainda proclamar entre nós a Lei da Boa Razão, de 18-8-1769, no seu proémio) […] a «clareza» é ela própria um resultado interpretativo” 4[4 A. Castanheira Neves, Digesta. Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros , Volume 2.º, Coimbra Editora, 2010, p. 338.]. 101. Isto é, a mobilização de normas aparentemente claras acarreta sempre um juízo interpretativo, como aconteceu in casu . 102. Ainda para mais quando se confirma ter havido um juízo subsuntivo, como reconhece a Decisão. 103. Pelo menos, o acórdão recorrido há-de ter, a partir da alínea f ) do artigo 1.º do CPP, determinado um arquétipo de conceito de alteração substancial de factos, 104. E tal conceito só pode ter resultado de uma actuação interpretativa do TRP que o levou a ser capaz de qua- lificar as alterações de redacção entre a pronúncia e o elenco de factos provados constantes do acórdão recorrido. 105. Se assim não fosse, como poderia o tribunal recorrido determinar – como fez – o que são “meras alterações de redacção”, “retificações de lapsos manifestos ou explicitações” ou “descrições que representam um «menos»”, sem ser interpretando normativamente a ideia de “alteração substancial dos factos”? Além disso, 106. Quanto ao segundo fundamento de não admissão do recurso, a Decisão considera que não se encontra preenchido o pressuposto de admissibilidade relativo à ratio decidendi , defendendo que a dimensão normativa enunciada como objecto do recurso, nesta parte, não encontra correspondência no entendimento adoptado pelo TRP em face da questão a decidir. 107. Pois bem: a dimensão normativa que se pretende submeter ao juízo deste Tribunal prende-se com a introdução de factos novos, quando tais factos digam respeito a um elemento típico do crime ou à sua forma de execução. 108. Se o acórdão recorrido não considerou as alterações relativas à matéria de facto como alterações substan- ciais, então decidiu o que são e o que não são factos novos. 109. E se aqueles factos não foram considerados como alteração não substancial, então essa interpretação nor- mativa inconstitucional foi autêntica ratio decidendi do TRP. 110. A Decisão diz que “o tribunal nem sequer qualifica como alterações substanciais ou não substanciais, afastando-se assim decisivamente da dimensão normativa objeto do recurso nesta parte”. 111. Mas, se há uma alteração quanto aos factos, então ela tem de ser ou substancial ou não substancial. 112. Não há espaço para uma alteração em matéria de factos que não caiba ou no conceito de alteração subs- tancial ou no conceito de alteração não substancial; um exclui o outro. 113. Pelo que o acórdão recorrido, ao pronunciar-se sobre as alterações referidas, interpretou as normas dos artigos 1.º, alínea f ) , 358.º e 359.º do CPP, e decidiu em função dessa interpretação – esta como ratio decidendi . 114. Assim, a Decisão em crise errou ao não admitir a questão de constitucionalidade em apreço, devendo esta ser conhecida e decidida por este Tribunal. e. A Quinta e Sexta Questões de (In)Constitucionalidade 115. A Decisão da qual ora se reclama cumula a apreciação das quinta e sexta questões de (in)constitucionali- dade suscitadas pelo Recorrente. 116. Na quinta questão, pretendia o Recorrente que este Tribunal se pronunciasse sobre a interpretação e aplicação dos artigos 70.º e 71.º, n. os 1 e 2, do Código Penal (“CP”), no sentido de a circunstância de o arguido não ter confessado os factos e não ter revelado arrependimento poder ser valorada negativamente para efeitos de determinação da medida da pena. 117. A sexta questão incidia sobre a interpretação e aplicação do artigo 50.º, n.º 1, do CP, no sentido de a circunstância de o arguido não ter revelado arrependimento poder ser valorada negativamente para efeitos de sus- pensão da execução da pena de prisão.

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