TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

358 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por último, 140. Quanto ao terceiro pressuposto referido – o da ratio decidendi –, entende-se na Decisão que as interpreta- ções normativas não foram nem efectivamente aplicadas pelas instâncias, nem constituíram a razão determinante do ponderado e decidido pelas instâncias. 141. Diz-se que o TRP, quanto à quinta questão de constitucionalidade, não secundou a alegada interpretação dos artigos 70.º e 71.º, n. os 1 e 2, do CP no sentido de a falta de confissão e a não manifestação de arrependimento do arguido poderem ser valoradas negativamente para efeitos de determinação da medida da pena, nem considerou que tal norma tivesse sido aplicada pelas instâncias. 142. Porém, o TRP secundou aquela interpretação, ainda que a partir, salvo melhor expressão, de uma “burla de etiquetas”, referindo que “[o] que se verificou foi que a suspensão da execução da pena não pôde ser justificada pela confissão e pelo arrependimento (como não poderia deixar de ser). A confissão e o arrependimento permitem mais facilmente concluir pelo carácter ocasional do crime. A ausência de confissão e arrependimento tornam, por isso, mais difícil essa suspensão”. 143. A falta de confissão e a não manifestação de arrependimento não permitem concluir pelo carácter ocasio- nal do crime nem devem ser tidas como influentes nas exigências de prevenção ou da culpa, interpretação esta da qual o TRP se afastou tendo preferido uma outra, inconstitucional. 144. Além de que, contrariamente ao que entende a Decisão, o TRP não considerou que aquelas normas tives- sem sido aplicadas pelas instâncias, porque se refere à falta de confissão e de arrependimento como “circunstâncias agravantes” e não como circunstâncias tomadas em conta nas operações de escolha e de determinação da pena. 145. Já quanto à sexta questão da constitucionalidade, na Decisão diz-se que não se vê afirmado pelo TRP que a ausência de confissão e arrependimento tenham sido valoradas negativamente para o efeito da decisão de não sus- pensão da execução da pena, verificando-se que o próprio acórdão desvaloriza este aspecto na ponderação da deci- são de suspensão chamando à colação outros aspectos, esses sim – no entendimento que expõe – determinantes. 146. Contudo, o TRP proclama que “[n]o caso em apreço, a ausência de confissão e arrependimento dificultou a suspensão de execução da pena, mas não foi essa ausência que, por si só, a impediu. Foram, como veremos de seguida, circunstâncias ligadas às exigências de prevenção geral”. Vejamos em detalhe. 147. O facto de a norma em apreço – o artigo 50.º, n.º 1, do CP – não constituir a ratio decidendi não significa necessariamente que não tenha sido aplicada pelas instâncias, como efectivamente foi (cf. página 612 do acórdão recorrido). 148. Aquele entendimento do TRP tem, inelutavelmente, um juízo sobre a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo ora Recorrente. 149. Ou seja, um juízo sobre a interpretação normativa do artigo 50.º, n.º 1, do CP, no sentido de que no raciocínio atinente à suspensão, ou não suspensão, da execução da pena, em caso de conflito entre as duas, as exi- gências de prevenção geral podem prevalecer em relação às exigências de prevenção especial. 150. De acordo com o acórdão recorrido, “[h]averá que verificar se no caso concreto isso se verifica, podendo até optar-se pela não suspensão da pena de prisão mesmo quando a pena, por ser inferior a cinco anos, o permitiria e essa suspensão fosse aconselhada pelas exigências de prevenção especial e as necessidades de não desinserção social do arguido”. 151. No fundo, esta linha de pensamento vai de encontro ao pressuposto por J. J. Gomes Canotilho quando defende que: “Por isso se diz que no juízo sobre a aplicação ou desaplicação de uma norma esta foi aplicada como ratio decidendi e não como um simples obiter dictum da decisão recorrida. No entanto, a aplicação da norma ou a desaplicação por inconstitucionalidade não tem que ser expressa, podendo ser implícita (cfr. Acs. TC 406/87, 429/89, 119/90, 354/91)” (realce nosso) 7 [ 7 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Cons- tituição , Almedina, 2003, p. 987.].

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