TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

374 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 10.3. Resulta dos autos, em especial do teor da peça processual em que o recorrente indica ter suscitado a questão que ora pretende ver apreciada, no confronto com a decisão ora recorrida, que não se encontra reunido o pressuposto relativo à dimensão normativa do objeto do recurso – e, acrescidamente, o pressuposto relativo à ratio decidendi . 10.3.1. Dos autos resulta, em primeiro lugar que, face ao modo como foi colocada a questão de inconstitu- cionalidade pelo recorrente junto das instâncias, o recurso carece de objeto normativo idóneo para a pretendida fiscalização pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, toda argumentação formulada pelo recorrente no recurso do despacho proferido nas instâncias ( supra identificado em 10.1) é dirigida ao modo como o despacho então recorrido alegadamente procedeu à inter- pretação e aplicação das disposições legais contidas nos artigos 188.º, n. os 9 e 10 do CPP, conjugadas com os artigos 125.º e 340.º, n.º 1, também do CPP, que o recorrente considera erróneo e atentatório de «princípios basilares do processo penal». O recorrente faz apelo às regras de hermenêutica jurídica para sustentar, em primeiro lugar, que, segundo o elemento literal do preceito do 188.º, n.º 10, do CPP, as novas transcrições aí previstas se reportam apenas a cor- reções das transcrições já efetuadas e não às transcrições de gravações ainda não transcritas. Depois, defende uma tese interpretativa segundo a qual, no essencial, decorre do disposto no n.º 9 do artigo 188.º uma proibição de prova para além do aí previsto, em termos que determinariam a impossibilidade, nos termos do n.º 10 do mesmo artigo, de o tribunal de julgamento poder ordenar, oficiosamente ou a requerimento do MP, a transcrição e respe- tiva junção aos autos, para valerem como prova, de escutas telefónicas não transcritas nos termos definidos pelo artigo 188.º, n.º 9, do CPP. Para além de o recorrente imputar ao próprio despacho recorrido a violação de princípios legais e constitu- cionais, verifica-se que a construção da alegada desconformidade com aqueles princípios, em especial os que se reportam às garantias de defesa do arguido em processo penal e à lealdade processual, é efetuada a partir do enten- dimento de que o Ministério Publico só pode intervir nos estritos termos previstos na alínea a) do n.º 9 do artigo 188.º do CPP – de modo a ter-se por inadmissível que o tribunal de julgamento ordene, a requerimento daquele, a transcrição e junção aos autos, para valerem como prova, de escutas telefónicas não transcritas nos termos definidos pelo artigo 188.º, n.º 9, do CPP. Assim sendo, tal como construída, a questão de constitucionalidade que ora se pretende ver apreciada não reveste dimensão normativa idónea para efeitos da pretendida fiscalização de constitucionalidade, já que o que está em causa é a melhor interpretação e aplicação dos preceitos legais ao caso dos autos proposta pelo recorrente. Deste modo, a alegada questão de inconstitucionalidade, tal como enunciada, deriva tão só do não acolhimento, pelo despacho então recorrido – confirmado pelo acórdão do TRP –, da tese interpretativa sustentada pelo recorrente, o que consubstanciaria uma revisão do mérito da própria decisão recorrida, não cabendo assim no âmbito do recurso apresentado no Tribunal Constitucional. 10.3.2. Acresce que, ainda que se pudesse descortinar uma dimensão normativa no objeto do recurso – o que, como acima se explicitou, não se verifica no caso dos autos – igualmente não se mostra preenchido o pressuposto relativo à ratio decidendi . Desde logo, resulta do teor da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão de inconstitu- cionalidade, no confronto com o teor do acórdão recorrido, que o arco normativo considerado no enunciado da questão que pretende ver sindicada, não encontra correspondência integral na decisão recorrida – a qual não faz apelo ao artigo 125.º do CPP. Depois, porque os pressupostos da ‘melhor’ tese interpretativa sustentada pelo recorrente não são acolhidos nem secundados pelo acórdão do TRP ora recorrido – quer quanto ao sentido literal do n.º 10 do artigo 188.º do CPP, quer quanto à própria interpretação do n.º 9 do mesmo artigo, conjugado com o artigo 125.º do mesmo Código, no sentido de daí se retirar uma proibição de produção de prova para além dos termos ali previstos, assim determinando a inaplicabilidade in casu do artigo 340.º n.º 1 do CPP.

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