TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

39 acórdão n.º 465/19 força acrescida −, não é invulgar os tribunais superiores alterarem jurisprudência que reputam obsoleta ou injusta. A auto-revisibilidade dos juízos é uma faculdade fundada na renovação periódica da composição do órgão e no seu dever fundamental de administrar a justiça. Porém, o ponto de referência da evolução jurisprudencial é o acervo decisório da própria instituição, sede da autoridade e autora das decisões. São por isso fortemente censuráveis as alterações de jurisprudência ditadas exclusivamente pelas contingências da opinião e da composição do colégio, sem que tenham surgido dados ou argumentos que não tenham sido ponderados nas decisões anteriores e sem que estas constituam, no entendimento expressamente fundamentado de cada juiz chamado a pronunciar-se, erros tão graves que o dever de promover a sua correção prevaleça sobre os imperativos de segurança jurídica, integridade institucional e igualdade de tratamento que reclamam o respeito pelo acquis jurisprudencial. Ora, apesar de termos dissentido do juízo que fez vencimento no Acórdão n.º 225/18, parece-nos impensável uma inflexão de jurisprudência num tão curto intervalo de tempo e numa matéria tão delicada e controversa, ainda para mais quando se trata de um processo de fiscalização preventiva, sujeito a um prazo apertado de decisão e em que a pronúncia do Tribunal não tem a força jurídica de uma declaração com força obrigatória geral. Consideramo-nos, assim, tudo visto e ponderado, vinculados ao entendimento expresso naquele aresto sobre o alcance dos parâmetros constitucionais em que se baseia a presente pronúncia de inconstitucionali- dade. Daí o sentido favorável do nosso voto. – Gonçalo de Almeida Ribeiro – Fernando Vaz Ventura – Joana Fernandes Costa – Lino Rodrigues Ribeiro. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Votei favoravelmente a pronúncia pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º do Decreto n.º 383/XIII da Assembleia da República, nas partes identificadas no pedido, mas afasto-me da fundamentação que conduziu à pronúncia pela inconstitucionalidade da norma em análise. Efetivamente, voto favoravelmente a decisão por manter e reafirmar a posição expressa na minha decla- ração de voto ao Acórdão n.º 225/18. Não foi, portanto, apenas por «imperativos de segurança jurídica e do critério de validade do direito neles implicado» (ponto 10 do Acórdão), que acompanhei a decisão de incons- titucionalidade, antes por haver renovado, relativamente à nova norma, a conclusão de inconstitucionalidade a que anteriormente cheguei no que respeita a norma idêntica. 2. O que me separa do caminho adotado pelo Tribunal não é uma divergência menor. Antes expressa uma diferente posição relativamente a um problema fundamentalmente constitucional: a relação entre o Tribunal Constitucional e o poder político. Ao recusar entrar na «discussão para que remetem as alterações ao regime da gestação de substituição a que se propõe a manifestação do exercício do poder legislativo» por não se verificarem «quaisquer circuns- tâncias, objetiva ou subjetivamente supervenientes que justifiquem a [sua] reabertura» (ponto 10), o Acórdão parece sustentar-se de forma determinante na autovinculação do Tribunal Constitucional às decisões que produz com força obrigatória geral. Esta autovinculação suscita-me fortes reservas. Desde logo, porque não nos devemos deixar fascinar pelo princípio do precedente anglo-saxónico (o “ stare decisis ” da “ common law ”), que não pertence à tradição constitucional nacional, importando-o acritica- mente para a ordem constitucional da República Portuguesa. Receio que a presente decisão seja interpretada como representando um primeiro passo nesse sentido, do qual discordo. Um dos papéis centrais de uma jurisdição constitucional é servir como fórum para questionar e deba- ter as questões centrais para a sociedade. Uma solução como a adotada leva a uma cristalização da decisão anteriormente tomada, não permitindo uma renovação do debate e esbatendo a distinção entre quem ficou vencido e quem saiu vencedor da votação dessa decisão, sem convencer os vencidos da bondade da posição maioritária, o que empobrece intoleravelmente o debate constitucional.

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