TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

414 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Sem o caso julgado material estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica (instabilidade das rela- ções jurídicas) verdadeiramente desastrosa – fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas. Seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respetiva sentença. Não se trata propriamente de a lei ter como verdadeiro o juízo – a operação intelectual – que a sentença pressupõe. O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade, por força da qual, como diziam os antigos, a sentença faça do branco preto e do quadrado redondo (« facit de albo nigrum,... aequat quadrata rotundis ...») ou transforme o falso em verdadeiro ( falsumque mutat in vero ). Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculante infrangível ao ato de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável. Vê-se, portanto, que a finalidade do processo não é apenas a justiça – a realização do direito objetivo ou a atuação dos direitos subjetivos privados correspondentes. É também a segurança – a paz social ( Schönke ).» ( Noções Elementares de Processo Civil, nova edição revista e atualizada por Herculano Esteves, com a colaboração de Antunes Varela, Coimbra Editora, 1976, pp. 305, 306). O Tribunal Constitucional tem reconhecido a proteção constitucional do caso julgado, com base nos princípios da confiança e da segurança jurídica, que decorrem da consagração do Estado de direito democrático, nos termos do artigo 2.º da Constituição (vide, nomeadamente, Acórdãos com os n. os 301/06, 310/05, 151/15, 680/15, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt , sítio da internet onde podem ser encontrados também os restantes arestos deste Tribunal, doravante citados). Especificamente no âmbito dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, nos termos do artigo 282.º da Constituição, a proteção do caso julgado evidencia-se na forma como a Lei Fun- damental faz prevalecer a sua intangibilidade, mesmo que assente em atos normativos inconstitucionais. A esse propósito, pode ler-se no Acórdão n.º 108/12: “Diversamente do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, (…) a Constituição portuguesa é explícita quanto ao grau com que censura o direito ordinário que contrarie, para usar as palavras do seu artigo 277.º, as “normas” e “princípios” que nela se contêm. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 282.º da CRP, será inválido o direito comum que for julgado inconstitucional através de declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de tal modo que essas declarações produzirão efeitos “desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional”. O grau de censura que o legislador constituinte português reservou para o fenómeno da inconstitucionalidade é um grau intenso (…). Esta opção, tomada pelo nosso poder constituinte, por uma censura forte da inconstitucionalidade (…) denota uma especial intenção do legislador constituinte em garantir a força normativa da constituição, através da fixação, ao nível mais alto da hierarquia das normas, de instrumentos destinados a expurgar do ordenamento jurídico atos [normativos] inconstitucionais. Esta intenção, que o artigo 282.º corporiza, traduz-se numa regra (a da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral) que conhece apenas duas exceções. Uma é a que consta do n.º 4 do artigo 282.º. Sempre que houver razões de segurança, equidade, ou interesse público de excecional relevo, o Tribunal Constitucional pode conferir às suas declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral efeitos mais restritos do que os que decorrem da regra geral. Outra é a que consta da primeira parte do n.º 3 do mesmo artigo 282.º. As decisões do Tribunal a que se refere o preceito produzem efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, ficando no entanto ressalvados os casos julgados. (…) A razão que justifica esta segunda exceção encontra-se no princípio da segurança jurídica, que decorre do princípio mais vasto de Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da CRP.

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