TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

415 acórdão n.º 542/19 O Estado de direito é, também, um Estado de segurança. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que não garantisse a estabilidade das decisões dos seus tribunais. Ao contrário da função legislativa, que, pela sua própria natureza, tem como característica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituição), a função jurisdicional, que o artigo 202.º da CRP define como sendo aquela que se destina a “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, a “reprimir a violação da legalidade democrática” e a “dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, não pode deixar de ter como principal característica a tendencial estabilidade das suas decisões, esteio da paz jurídica. Por esse motivo, o artigo 282.º ressalvou, como derrogação à regra da eficácia ex tunc das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questão já decidida pelo tribunal. Ao estabelecer esta oposição, fazendo nela prevalecer a força vinculativa do caso julgado, o legislador consti- tuinte revelou a forma como procedeu à ponderação de dois bens ou valores: entre a garantia da normatividade da constituição, e a consequente forte censura dos atos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das decisões judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a constituição optou em princípio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princípio do favor rei , previstos na segunda parte do n.º 3 do artigo 282.º”. Porém, como se salienta no Acórdão n.º 680/15, “[s]e é certo que a função jurisdicional implica, num Estado de direito, que as decisões jurisdicionais não possam, em princípio, ser postas em causa – visando a certeza e a segurança, ínsitos naquele, na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjetivas –, é igualmente certo que a expressão da função jurisdicional do Estado não se encontra imune ao erro, assim justificando institutos jurídicos dirigidos à reparação dos efeitos do mesmo (como é o caso do instituto da responsabilidade civil do Estado por erro imputável ao Estado-Juiz) ou, excecionalmente, à modificação da própria sentença – como é o caso do instituto de revisão de sentença”. As limitações ao princípio da intangibilidade do caso julgado devem, contudo, obedecer a uma lógica de balanceamento ou ponderação conjugada dos valores da certeza e segurança jurídica, por um lado, e outros valores também constitucionalmente protegidos, como a justiça material. Acresce que, como se pode ler no Acórdão n.º 310/05, “descontada a supressão pura e simples da existência [...] de um qualquer meio de ultrapassagem do caso julgado – supressão essa constitucionalmente ilegítima – ao legislador ordinário sempre assistirá um apreciável grau de liberdade na configuração concreta desse meio processual.” E continua o mesmo aresto referindo que “um dos modos que pode revestir essa configuração traduz-se precisamente no estabelecimento de um limite temporal à possibilidade de desencadear o meio de impug- nação do caso julgado. É este o sentido do prazo de cinco anos previsto no artigo 772.º, n.º 2 [hoje, 697.º, n.º 2] do CPC (…): impedir que a latência de um hipotético recurso de revisão projecte, para além de determinado período, algum tipo de incerteza quanto ao conteúdo do direito declarado pela decisão judicial transitada. Trata-se, enfim, de reafirmar a essência teleológica do instituto do caso julgado.”  O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre várias dimensões normativas envolvendo o prazo de caducidade do direito de interpor recurso de revisão. Assim, nos Acórdãos com os n. os 209/04 e 200/09, o Tribunal julgou inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 772.º do Código de Processo Civil, na parte em que previa um prazo absolutamente perentório de cinco anos para a interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença a rever, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que a ação, na qual foi pro- ferida a decisão cuja revisão é requerida, correspondesse a uma ação oficiosa de investigação de paternidade, que correu à revelia, e fosse alegado, para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou a nulidade da citação para aquela ação.  Estava em causa, nas situações analisadas, a violação do conteúdo essencial do princípio do contra- ditório, tendo-se considerado que a interpretação normativa colocada em crise correspondia a uma cedência manifestamente desproporcionada às exigências de certeza e segurança jurídicas, tendo em consideração, em

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