TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL processual e num valor relativamente elevado tendo presente o valor da causa, o colégio arbitral do TAD violou, no caso concreto, os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça». Vejamos se assim é. 2.2. Como é sabido, o Tribunal Constitucional foi chamado a apreciar, no Acórdão n.º 230/13, proferido em processo de fiscalização preventiva, a inconstitucionalidade da opção de política legislativa, consagrada na norma constante da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 8.º, conjugada com as normas dos artigos 4.º e 5.º, todos do Anexo ao Decreto n.º 128/XII, de reservar exclusivamente ao TAD a competência para julgar os litígios emergentes dos atos praticados pelas federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no exercício dos poderes públicos que lhe foram transferidos pelo Estado através da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, sem possibilidade de recurso para os tribunais estaduais. Estando exclusivamente em causa nesse aresto o problema da irrecorribilidade para os tribunais do Estado das decisões proferidas pelo TAD no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária, o Tribunal Constitucional não deixou, então, de abordar a questão prévia da própria admissibilidade constitucional da criação de tribunais arbitrais necessários, tendo por referência fundamental o disposto nos artigos 20.º, 202.º, n.º 4, e 209.º, n.º 2, da Constituição. A este respeito, lê-se no Acórdão n.º 230/13 o seguinte: «A Constituição prescreve, a propósito da função jurisdicional, que a lei poderá institucionalizar instru- mentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos (artigo 202º, nº 4), e faz expressa referência, no artigo 209º, n.º 2, aos tribunais arbitrais e aos julgados de paz. Qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante conven- ção de arbitragem, à decisão de árbitros por si designados, podendo a convenção de arbitragem ter por objeto um litígio atual, ainda que se encontre afeto a um tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios even- tuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória) (artigo 1.º, n.º 3, da LAV). Os tribunais arbitrais estão previstos como uma categoria autónoma de tribunais e encontram-se subme- tidos a um estatuto funcional similar ao dos tribunais judiciais, e as suas decisões têm natureza jurisdicional, mas não são órgãos estaduais, correspondendo a sua atividade a um verdadeiro exercício privado da função jurisdicional (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86). Mais problemática é a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais arbitrais abrange apenas os tribunais voluntários (isto é, os instituídos por vontade dos interessados) ou também os tribunais neces- sários (ou seja, os impostos por lei), visto que estes implicam que os litigantes fiquem impedidos de recorrer diretamente aos tribunais ordinários que seriam competentes, podendo, por isso, pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais, mas também o princípio da igualdade (expressando esta dúvida, Gomes Cano- tilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição, Coimbra, pág. 551; Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pág. 17). Todavia, o Tribunal Constitucional tem extraído do expresso reconhecimento constitucional da possibili- dade de existirem tribunais arbitrais, o entendimento de que, não só os cidadãos podem, no exercício da sua autonomia de vontade, constituir tribunais arbitrais para resolução de determinados litígios, como o próprio legislador pode criá-los para o julgamento de determinada categoria de litígios, impondo aos cidadãos neles implicados o recurso necessário a essa via de composição jurisdicional de conflitos (acórdãos n. os 52/92, 757/95 e 262/98). No entanto, a arbitragem necessária não releva da autonomia de vontade das partes e, nesse plano, apre- senta contornos diversos dos simples tribunais arbitrais voluntários. Neste último caso, o litígio é cometido pelos interessados à decisão de árbitros, mediante uma convenção de arbitragem, desde que estejam apenas

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