TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

427 acórdão n.º 543/19 em causa interesses de natureza patrimonial ou as partes possam transacionar sobre o direito controvertido. A função jurisdicional dos tribunais arbitrais tem aqui natureza privada, na medida em que o seu fundamento imediato radica na liberdade contratual e na autonomia privada (Pedro Gonçalves, ob. cit. , págs. 566 e 569). Isso explica que as partes possam determinar, por acordo, que o julgamento seja feito segundo o direito consti- tuído ou segundo a equidade, ou por apelo à composição do litígio na base do equilíbrio dos interesses em jogo, e que só haja lugar a recurso da decisão arbitral se as partes tiverem previsto expressamente essa possibilidade e a causa não tiver sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (artigo 39.º da LAV). Ao contrário, se por lei especial o litígio for submetido a arbitragem necessária, a decisão de recorrer à juris- dição arbitral não se baseia num negócio jurídico celebrado entre as partes, mas no ato legislativo que impõe essa forma de composição do litígio, ficando os interessados impedidos de aceder quer à jurisdição estadual, quer à arbitragem voluntária» – itálico acrescentado. Considerou-se, assim, que, fora das matérias constitucionalmente sujeitas a uma reserva de jurisdição pública, também o Estado, no exercício da sua liberdade de avaliação do interesse público e de escolha das medidas de política legislativa que melhor garantam a sua prossecução, pode constituir tribunais arbitrais para o julgamento de determinado tipo de litígios e impor aos cidadãos o recurso a tais instâncias jurisdi- cionais. No caso do TAD, as razões de interesse público concretamente invocadas para a sua constituição prendem-se com a «necessidade de o desporto possuir um mecanismo alternativo de resolução de litígios que se coadune com as suas especificidades de justiça célere e especializada» (cfr. exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 84/XII, que esteve na origem da Lei n.º 74/2013), configurando, pois, uma medida de adequação que, sendo imposta por razões de defesa e promoção do sistema desportivo (artigo 79.º da Cons- tituição), aproveita diretamente àqueles que operam no seu seio. O julgamento de inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição), proferido pelo Tribunal Consti- tucional no citado Acórdão e, posteriormente, no Acórdão n.º 781/13, não recaiu, pois, sobre a opção legal de impor às partes o recurso ao TAD para resolução dos litígios abrangidos pela sua competência arbitral necessária, mas apenas sobre a solução que, nas sucessivas formulações normativas então apreciadas, negava às mesmas partes o direito de sindicar o mérito da decisão arbitral junto dos tribunais do Estado, julgados indispensáveis à efetivação da garantia consagrada nos mencionados preceitos constitucionais. É, pois, no pressuposto da conformidade constitucional da opção de fundo tomada pelo legislador no âmbito do sistema desportivo de atribuir ao TAD competência exclusiva para controlar, em primeira apre- ciação (instância), a legalidade de atos praticados pelas federações desportivas, ligas profissionais e outras entidades desportivas, no exercício de poderes públicos – pressuposto não controvertido nos presentes autos –, que se devem apreciar todos os aspetos normativos do respetivo regime jurídico, mormente aquele que respeita à conformação normativa das custas dos processos que necessariamente devem correr termos nesse tribunal arbitral. Dando por assente esse dado jurídico-constitucional, o da legitimidade dos tribunais arbitrais neces- sários, importa destacar da transcrita jurisprudência duas ideias que, sendo fruto de uma reflexão iniciada muito antes no Tribunal Constitucional sobre a temática geral dos tribunais arbitrais, encontrou na figura recém-criada do TAD, que cruza características orgânicas e funcionais de natureza pública e privada, particu- lar evidência: i) a ideia de que, na perspetiva da Constituição, os tribunais arbitrais, voluntários e necessários, são «verdadeiros tribunais»; ii) e a ideia de que, sendo-o, não são, em determinados aspetos, «tribunais como os outros» (Acórdão n.º 230/86). 2.3. A primeira asserção assenta no reconhecimento da natureza materialmente jurisdicional das funções exercidas pelos tribunais arbitrais e no estatuto de independência e imparcialidade dos árbitros. Verificando- -se estes dois traços, um relacionado com o tipo de atividade exercida, essencialmente dirigida à composição de litígios (objeto), e outro respeitante às características exigíveis a que tem a seu cargo o exercício dessa

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