TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

430 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL p. 16), e constituem sinais de «erosão da estadualidade enquanto característica distintiva do poder judicial» (Paulo Rangel, Repensar o Poder Judicial , pp. 291-292). Em todos esses casos, está em causa a prestação de um serviço público de justiça por entidades (árbi- tros) que, mesmo quando inseridos num centro de arbitragem institucionalizado pelo Estado, têm natureza privada. Por isso, embora reconhecendo que «o tribunal arbitral, como tribunal que é, faz parte da própria garantia de acesso ao direito e aos tribunais» (Acórdãos n. os 250/96 e 506/96), nunca o Tribunal Constitucio- nal defendeu que a garantia constitucional consagrada nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição, se esgota com a intervenção de tribunais arbitrais. Como resulta do teor das declarações de voto apostas nos Acórdãos n. os 230/13 e 781/13, o julgamento de inconstitucionalidade que aí fez vencimento parece reve- lar o entendimento contrário, o de que os tribunais do Estado são o último baluarte de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não sendo constitucionalmente aceitáveis soluções legais imperativas que proíbam em absoluto o acesso à justiça pública para esse efeito. Ora, estando em causa nos presentes autos o problema da inconstitucionalidade do valor das custas dos processos arbitrais que correm termos no TAD, no âmbito da sua competência arbitral necessária, não é possível desconsiderar, também para este efeito, o facto de este não ser um tribunal público especializado em matéria desportiva mas um centro de arbitragem de caráter institucionalizado que não faz parte da organi- zação do Estado e apenas tem por fonte de receitas as custas processuais cobradas nos respetivos processos e os recursos financeiros gerados pela sua restante atividade, designadamente no âmbito da consulta jurídica e mediação (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 74/2013). A jurisdição do TAD, no âmbito da sua competência arbitral necessária, é exercida por um colégio de árbitros, de entre os constantes da lista do Tribunal (artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 74/2013), cuja atividade jurisdicional, sendo materialmente equivalente à prestada pelos juízes dos tribunais administrativos, é remu- nerada por via de honorários. Compreende-se, assim, que as custas processuais fixadas para os correspon- dentes processos arbitrais incluam, não apenas a taxa de arbitragem, mas também os honorários dos árbitros, que constitui a um encargo permanente do TAD decorrente da sua própria estrutura arbitral (artigo 76.º, n. os 1 e 3, da mesma Lei) – custo que não existe nos tribunais do Estado e, por isso, não é refletido nas custas judiciais, que diferentemente apenas integram a taxa de justiça, outro tipo de encargos e as custas de parte (artigos 3.º, n.º 1, e 16.º do RCP). Esta diferença de base, que é incontornável e consentida pela própria Constituição, que não veda a possibilidade de o próprio Estado constituir tribunais arbitrais, não pode deixar de ser considerada no con- trolo de proporcionalidade a que também estão sujeitas, por força da mesma Lei Fundamental, as custas dos processos arbitrais em causa no presente recurso. É este controlo que se fará de seguida, considerando as especificidades constitucionalmente relevantes dos tribunais arbitrais necessários, refletidas nas normas sindicadas, e o resultado tributário que a aplicação destas últimas produziu no concreto processo arbitral que esteve na origem dos autos. 2.5. O Tribunal recorrido não questiona, nem se afigura questionável, a necessidade e adequação da medida legal que impõe aos operadores desportivos o pagamento de custas nos processos arbitrais que inte- gram o âmbito da competência material necessária do TAD. Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, no contexto de apreciação das custas judiciais, a Constituição não garante uma justiça gratuita mas uma justiça economicamente acessível à gene- ralidade dos cidadãos, sem necessidade de recurso ao sistema de apoio judiciário (cfr., entre outros, Acór- dãos n. os 1182/96 e 70/98). Ora, se o Estado pode exigir aos cidadãos que recorrem aos tribunais públicos o pagamento de taxas de justiça em contrapartida do serviço público de justiça que lhes é individualmente prestado nos processos judiciais, por maioria de razão poderá exigir aos operadores desportivos o pagamento do serviço especializado de justiça desportiva que lhes é especificamente prestado pelo TAD, que é um cen- tro de arbitragem de natureza privada criado para responder às necessidades de uniformização, celeridade e especialização impostas pela especificidade do litígio desportivo (Acórdão n.º 230/13).

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