TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

437 acórdão n.º 543/19 Uma tal metodologia de apreciação parece, no entanto, confundir contencioso de normas – que é aquele que deveria ter ocupado o Tribunal – com contencioso de decisões judiciais. Além disso, ao concentrar-se no resultado do caso concreto, e não no preciso critério normativo que foi desaplicado na decisão, o presente Acórdão não permite antecipar as futuras decisões em questões conexas. 5. Diferentemente do Acórdão, entendi que era o critério normativo que esteve na base da recusa de aplicação do regime contido no artigo 2.º, n. os 1 e 4, da Portaria n.º 301/2015 e primeira linha da tabela do seu Anexo I que cumpria apreciar à luz do princípio da proporcionalidade e do direito à tutela jurisdi- cional efetiva, e isto independentemente de, no caso dos autos, o valor final envolvido das custas aplicadas – €  4 150 – representar ou não um valor particularmente significativo para qualquer dos envolvidos nesta concreta arbitragem em apreciação. É necessário fazer uma referência inicial ao facto de estarmos perante um tribunal arbitral necessário. Os tribunais arbitrais são, nos termos do seu artigo 209.º, n.º 2, um dos tipos de tribunal admitido pela nossa Constituição como integrando a nossa ordem jurídica. Neste âmbito, e com alguns limites, o legislador pode consagrar regimes de arbitragem necessária. Quando o faz, no entanto, deve ter o cuidado de garantir que os tribunais arbitrais necessários têm um regime que assegure independência, imparcialidade e qualidade de decisão pelo menos equivalente à dos tribunais estaduais. Da mesma forma, é necessário garantir que a instituição de um regime de arbitragem necessária não redunda num caso de restrição constitucionalmente inadmissível do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). Efeti- vamente, não me parece adequado recorrer nestes casos a uma fundamentação que diga respeito à arbitragem voluntária, como a celeridade dos julgamentos ou a qualidade dos árbitros já que, no caso da arbitragem necessária, os cidadãos não têm escolha a não ser recorrer ao tribunal arbitral, logo essa fundamentação não procede. Este limite – a garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva – é especialmente importante nas situações em que é instituído um regime de arbitragem necessária no âmbito do controlo jurisdicional de atos materialmente administrativos, como é o caso de (pelo menos) alguns dos atos praticados pelas federa- ções desportivas abrangidos pela jurisdição do TAD (artigo 268.º, n.º 4, da Constituição). O que é relevante aqui será, assim, ponderar se a introdução de um nível obrigatório de custas apurado, nas causas de valor inferior a € 30 000, de forma automática e cega às diferenças, sem possibilidade de conformação pelo jul- gador em função das especificidades do caso concreto, é compatível com o princípio da proporcionalidade. Empreendendo a necessária ponderação dos interesses envolvidos, e na linha do que tem sido a juris- prudência do Tribunal Constitucional em matéria de custas judiciais – aqui necessariamente aplicável por se tratar da única via jurisdicional aberta aos cidadãos –, concluí que a circunstância de a definição do montante das custas resultante dos referidos preceitos assentar num critério de indexação automática ao valor da causa, sem consideração da concreta natureza e complexidade do processo, bem como da utilidade que da arbi- tragem retiram os que nela litigaram, omitindo a possibilidade de o tribunal reduzir as custas a fixar, a não ser no caso de a arbitragem terminar antes da sentença final, não respeita o princípio da proporcionalidade, podendo mesmo ter um efeito injustificadamente inibidor do acesso à justiça arbitral necessária. Para a ponderação da afetação do direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva pela norma em causa, é indiferente que o TAD tenha «nas custas processuais a sua principal fonte de financiamento» (ponto 2.5). Não está em causa a opção do legislador por criar, neste âmbito, um tribunal arbitral necessário, mas o regime de custas aplicável. Se o Tribunal Constitucional concluir que este regime é inconstitucional, por restringir excessivamente o acesso à justiça, então deverá o legislador encontrar uma forma de financiamento alternativo que assegure a independência e imparcialidade dos juízes arbitrais. Não cabe ao juiz constitucio- nal ponderar opções de política legislativa. Diga-se, também que, no juízo de proporcionalidade realizado, está igualmente por demonstrar, que «o nível médio de rendimentos das entidades desportivas envolvidas nos litígios que integram a competência necessária desse tribunal arbitral, [seja] sensivelmente superior ao nível médio de rendimentos dos cidadãos em geral». Poder-se-á afirmar que qualquer jovem praticante de desporto federado (na Federação Portuguesa

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