TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

46 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL II - A Lei Orgânica n.º 4/2017 traduz uma concretização da exceção facultativa ao regime-regra da priva- cidade em matéria de comunicações eletrónicas admitida no artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58; tal medida, enquanto resultado do exercício do poder legislativo de um Estado-Membro, está natu- ralmente sujeita à respetiva Constituição e, devido à matéria em causa, tem de respeitar igualmente os limites estatuídos no artigo 15.º, n.º 1, da Diretiva 2002/58; nestes exatos termos, e apesar de se tratar de uma iniciativa exclusiva do Estado-Membro, também representa uma aplicação de «direito da União» para efeitos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE). III - O standard mínimo de proteção dos direitos fundamentais é o consagrado nas normas da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), interpretadas de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a qual - pese embora reconhecer a importância do dever estadual de proteção da sociedade contra todas as formas de terrorismo e de ameaça aos valores demo- cráticos, e de admitir restrições aos direitos consagrados no artigo 8.º da CEDH por esse motivo, exige, contudo, um escrutínio intenso e atento às circunstâncias de cada caso concreto – entende, a este propósito, que a interferência nestes direitos tem de estar de acordo com a lei, e que, por razões de segurança jurídica, a lei deve ser suficientemente clara nos seus termos para fornecer aos indivíduos uma indicação adequada sobre quais são as circunstâncias e as condições que permitem às autoridades recorrer a essas medidas. IV - A questão de constitucionalidade ora em análise reduz-se, verdadeiramente, à averiguação da confor- midade constitucional da possibilidade de acesso, pelos oficiais de informações do SIS e do SIED, a dados de base e de localização de equipamento (artigo 3.º) e a dados de tráfego (artigo 4.º); apesar de a letra da lei estabelecer uma distinção entre dados de base, dados de localização de equipamento e dados de tráfego, na apreciação da constitucionalidade das normas questionadas ter-se-á sobretudo em conta a subdivisão entre duas grandes categorias com as quais se cruza esta classificação legal tri- partida: (i) os dados associados a um ato de comunicação (consumado ou tentado) entre duas pessoas e que são os dados de telecomunicações e os dados de tráfego de internet ligados às circunstâncias da comunicação interpessoal; (ii) e os dados que não estão associados a uma comunicação efetiva ou ten- tada entre dois sujeitos, mas que se traduzem nos dados de identificação do sujeito (nome, morada, número de telemóvel), nos dados de localização do equipamento, quando não deem suporte a uma concreta comunicação, e nos dados de tráfego que apenas envolvem comunicação entre um sujeito e uma máquina, como por exemplo, a consulta de sítios na internet . V - A constitucionalidade das normas do artigo 3.º e de um segmento ideal do artigo 4.º – que regu- lam o acesso a dados pessoais que não envolvem comunicação intersubjetiva (dados de base, dados de localização e dados de tráfego, dissociados de um ato de comunicação, consumado ou tentado, entre duas pessoas) – terá de ser aferida à luz dos direitos fundamentais consagrados nos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os 1, 3 e 4, da Constituição; enquanto o acesso àqueles dados de tráfego que envolvem comunicação entre pessoas (mensagens de correio eletrónico, chamadas de telemóvel, conversas por Voip , designadamente, Skype ou Whatsapp ) estará, na referida perspetiva, abrangido, desde logo (e sem prejuízo de também se tratar de dados pessoais tutelados nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, e 35.º, n. os  1, 3 e 4), pelo âmbito de proteção do artigo 34.º, n.º 4, da Constituição. VI - A área de tutela constitucional das telecomunicações comporta, ao lado de uma dimensão objetiva, uma indispensável dimensão subjetiva, na medida em que o ato comunicativo pressupõe sempre a

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