TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

47 acórdão n.º 464/19 existência de uma relação intersubjetiva, um contacto ou, pelo menos, uma tentativa de contacto entre pessoas; assim, o n.º 4 do artigo 34.º da Constituição protege tanto o processo comunicativo quanto o conteúdo da comunicação, sempre que – mas apenas quando – esteja em causa um efe- tivo processo comunicativo; terá de ter havido, pelo menos por uma das partes, a consciência e a vontade de “participar na transmissão à distância de dados ou notícias”, mesmo que a comunicação não se tenha completado, por ausência ou rejeição de resposta pela outra parte; o n.º 4 do artigo 34.º, embora proíba as ingerências na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, admite-as nos «casos previstos na lei em matéria de processo penal», conceito jurídico-constitucional que se reveste de um significado unívoco e determinado, que não consente o grau de flexibilização ou de evolução, por via interpretativa, típico dos conceitos constitucionais abertos e plurissignificativos. VII - A consagração constitucional da proteção de dados pessoais constitui um instrumento do livre desen- volvimento da pessoa humana numa sociedade democrática e uma condição para o gozo da liberdade e da afirmação da identidade pessoal; na forma específica de proibição de acesso por terceiros, o direito à proteção de dados apresenta-se como um direito de garantia de um conjunto de valores fundamen- tais individuais – a liberdade e a privacidade – bens jurídicos englobados na autodeterminação indi- vidual, abrangendo duas dimensões: a dimensão negativa ou de abstenção do Estado de ingerência na esfera jurídica dos cidadãos e a dimensão positiva enquanto função ativa do Estado para prevenir tal ingerência por parte de terceiros. VIII - O legislador constituinte autoriza, de forma explícita, a intervenção do legislador ordinário na esfera dos direitos fundamentais à reserva de intimidade da vida privada e à proteção de dados pessoais, por isso, na matéria a que respeita o presente processo, não pode deixar de se ter em conta a necessidade da concordância prática entre os direitos fundamentais das pessoas acerca das quais o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) pretenda reunir informações e os interesses da segurança pública e do combate à criminalidade organizada, como a espionagem e o terrorismo; a ponderação, de acordo com o princípio da proporcionalidade, faz-se em moldes metodológicos semelhantes aos previstos na jurisprudência do TJUE, e na jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 8.º da CEDH: a limitação de um direito fundamental, nomeadamente, dos direitos à vida privada e à proteção dos dados pessoais, consagrados nos artigos 7.º e 8.º da Carta, terá de estar prevista na lei, respeitar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e ser justificada e necessária para a concretização dos objetivos de interesse geral reconhecidos pela União Europeia ou para satisfazer uma necessidade de proteção dos direitos e liberdades de outrem. IX - Quanto aos dados de tráfego abrangidos pelo sigilo das comunicações, importa indagar se existe algu- ma diferença relevante atinente ao sistema de acesso aos dados de tráfego ora em análise que justifique uma apreciação distinta da realizada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 403/15, no fundo, trata-se de questionar se as alterações introduzidas no sistema de acesso pela Lei Orgânica n.º 4/2017 apresentam diferenças de tal forma significativas em relação às normas anteriormente analisadas por este Tribunal, que o aproximem, de forma decisiva, do processo penal, fundamentando uma mudança quanto ao juízo de constitucionalidade. X - O acesso dos oficiais de informações do SIS e do SIED aos metadados, incluindo os dados de tráfego, à luz da Lei Orgânica n.º 4/2017, está sujeito a vários pressupostos de admissibilidade, parecendo as normas em causa procurar responder às objeções de natureza jurídico-constitucional anteriormente

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=