TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

48 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL colocadas, promovendo a intervenção obrigatória de uma autoridade composta por magistrados judi- ciais e um sistema de controlo que permita enquadrar e limitar a atividade dos serviços de informações nesta matéria; neste caso o que cabe questionar é se pode considerar-se que a intervenção de juízes e a existência de mecanismos de controlo do acesso aos dados de tráfego podem ter-se por materialmente equivalentes aos que caracterizam uma estrutura processual penal num Estado de direito democrático, nos termos exigidos inequivocamente pela Constituição. XI - Em primeiro lugar, apesar das mudanças operadas no sistema de acesso aos dados de tráfego, em rela- ção ao que se previa nas normas fiscalizadas no Acórdão n.º 403/15, não pode deixar de se considerar que, também nas normas ora em causa, o acesso aos dados se destina, tão-só, e sem qualquer dúvida, à prossecução das atribuições do SIRP, nos termos legalmente definidos; não pretendendo negar-se as conexões e semelhanças entre a atividade de recolha de informações, a cargo do SIRP, e o exercício da ação penal, no quadro do processo criminal, a verdade é que, inexistindo processo penal, falta um ele- mento essencial, no quadro constitucional vigente, para o equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de acesso do Estado às comunicações privadas, para garantia de direitos e valores constitucionais como a liberdade e a segurança, e por outro, a obrigação de respeito pelos direitos, liberdades e garantias, como é o caso da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, plasmadas no artigo 34.º da Constituição; esse elemento consubstancia-se na existência de garantias constitucionais do arguido; fora do processo penal nunca há arguido, não estando, assim, assegurado o conjunto de garantias de exercício dos direitos fundamentais associado a esse estatuto. XII - Tendo em mente a intrínseca ligação entre processo penal e garantias constitucionais do arguido, a simples intervenção, ou intermediação, de um grupo de juízes – ainda que tratando-se de magistrados experientes, provindos do Supremo Tribunal de Justiça – no acesso a dados de comunicação e internet por parte dos oficiais de informação do SIRP não é suficiente para conferir a tal processo natureza criminal, nem mesmo uma natureza materialmente análoga; aquela intervenção não assegura a pos- sibilidade de defesa dos afetados pela restrição de direitos fundamentais que o acesso aos dados de comunicações necessariamente comporta. XIII - Em segundo lugar, apesar de as novas normas terem, claramente, a pretensão de apertar os mecanis- mos de controlo em relação ao previsto na legislação anterior, a propalada maior exigência de tais mecanismos parece, afinal, na prática, ainda insuficiente, sobretudo se pretendermos a sua equipara- ção ao processo criminal, podendo repetir-se parte das objeções materiais levantadas por este Tribunal no Acórdão n.º 403/15 a propósito das normas em análise: escassa densificação da moldura legislativa; natureza administrativa do processo, apesar da intervenção de magistrados; indefinição do sentido e alcance do papel do Procurador-Geral da República; dificuldade de exercício do direito de acesso aos dados conservados. XIV - Além de o procedimento de acesso a dados de comunicações e de internet por parte dos oficiais de informações do SIRP não ser, natural e obviamente, um processo criminal do ponto de vista formal, também dele é muito distinto do ponto de vista material e garantístico, sendo de afastar nesta matéria uma interpretação jurídico-constitucional segundo a qual pudesse arredar-se o elemento literal do n.º 4 do artigo 34.º da Constituição, e admitir a existência de uma restrição a um direito fundamental não expressamente autorizada pela Constituição, cujo escrutínio se centraria, por parte do Tribunal Constitucional, num mero juízo de proporcionalidade, atentos os direitos e valores constitucionais conflituantes cujo equilíbrio se procura.

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