TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

492 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com os cânones hermenêuticos, conduz inequivocamente, no caso dos autos, a um resultado interpretativo inconstitucional. b) Segundo a decisão recorrida, quando o artigo 2.º da Portaria n.º 112‑A/2011 determina que a Autoridade Tributária se vincula «à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro», fá-lo com exclusão de outras categorias de tributos, em especial as contribuições financeiras a que se reconduziria a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica por se denominar contribuição. c) A diferenciação entre as contribuições financeiras e os impostos para efeitos de excluir as pretensões rela- tivas às primeiras do âmbito da vinculação da Autoridade Tributária à arbitragem no seio do CAAD é constitucionalmente ilegítima, por violação dos princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 13.º e 20.º da Constituição. d) Ainda que o legislador seja livre, à luz da Constituição, para consagrar ou não a arbitragem tributária, isso não significa que, uma vez decidindo-se por tal consagração, o possa fazer nos moldes que entender, desviando-se ostensivamente de parâmetros de razoabilidade e do respeito dos princípios constitucionais que limitam a sua discricionariedade legislativa. e) Seja como for que se entenda o princípio da igualdade, à luz da fórmula da proibição de arbítrio, ou da fór- mula da igualdade proporcional, dever-se-á sempre concluir, em relação à questão de constitucionalidade normativa objeto do presente recurso, pela violação do referido princípio. f ) Caso se pretenda excluir as pretensões sobre conflitos relativos às contribuições financeiras do âmbito da arbitrabilidade com base no interesse público na obtenção de receitas, cabe referir que, (i) para além do interesse público em causa ser alheio, por natureza, a qualquer tribunal, seja ele judicial ou arbitral (sendo consequentemente o fim em causa manifestamente ilegítimo à luz da Constituição), (ii) a obtenção de receitas é visada tanto pelos impostos quanto pelas contribuições financeiras, pelo que não pode fundamen- tar qualquer limitação da jurisdição arbitral aos litígios respeitantes a um só destes tributos. g) Caso se pretenda fundar essa mesma exclusão numa pretensa maior exigência de «disponibilidade de meios humanos com formação especializada» no caso das contribuições financeiras, em relação aos impostos, cabe mencionar que a representação e prestação de apoio jurídico nos procedimentos e processos em que inter- venha a Autoridade Tributária, cabe à respetiva Direção de Serviços de Consultoria Jurídica e Contencioso, independentemente de os referidos processos e procedimentos incidirem sobre impostos ou contribuições financeiras, no âmbito de processos judiciais ou arbitrais. h) De resto, alguns casos fundados na natureza especializada das questões tributárias envolvidas estão sub- jacentes às exceções previstas nas diversas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, em especial a alínea d) , nos termos da qual ficam excluídas da jurisdição arbitral as «[p]retensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado-Membro no âmbito da cooperação admi- nistrativa em matéria aduaneira», sem que alguma vez tenha sido sentida a necessidade de relacionar tal natureza especializada com as pretensões relativas a contribuições financeiras. i) O procedimento de liquidação e cobrança das contribuições financeiras em nada se distingue, na sua natu- reza e estrutura, do dos impostos, atuando a Autoridade Tributária em relação àquelas como se de impostos se tratasse, donde também por aí não existe razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade. j) Não faz qualquer sentido que o Governo aceite vincular-se à jurisdição arbitral quanto aos impostos, cria- dos pela Assembleia da República, e recuse fazê-lo quanto às contribuições financeiras, que pode criar por sua própria iniciativa e sem necessidade de intervenção parlamentar, sendo certo que o artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que constitui a credencial parlamentar neste âmbito, fala sempre em «matéria tributária», sem distinguir entre diferentes tributos.

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