TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

496 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legislador democraticamente legitimado quanto ao estabelecimento da justiça arbitral, quer voluntária, quer necessária, embora com alguns limites decorrentes do texto constitucional. No contexto do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, o Acórdão n.º 177/16, da 1.ª Secção, veio reconhecer que a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral. Efetivamente, referiu o Tribunal Constitucional que (ponto 14): «(…) É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribu- nal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco. Na verdade, a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financei- ras do Estado”. Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão “confiscadas”, sem controlo por um tribunal do Estado. Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral. Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência. Por outro lado, acentuando as implicações jurídico-públicas da arbitragem tributária, note-se que a LAT, no seu artigo 29.º, exclui do direito subsidiário aplicável as normas Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), preferindo-lhes, significativamente, para além do Código de Processo Civil, normas de diplomas claramente ligados à atividade administrativa e tributária». A natureza particular da arbitragem tributária também foi salientada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/18, da 1.ª Secção, notando estar perante uma realidade diferente da mera oposição clássica entre arbitragem voluntária e necessária. Pode ler-se na fundamentação do aludido Acórdão o seguinte, (ponto 9): «As entidades administrativas delimitadas [na Portaria n.º 112-A/2011] não podem recusar a constituição de tribunais arbitrais, nas matérias aí previstas, se o administrado o solicitar. É, portanto, uma situação algo distinta da que ocorre na arbitragem voluntária, uma vez que as entidades administrativas estão a priori vinculadas à opção que o administrado tomar neste domínio. A lógica subjacente a um pacto arbitral em que ambas as partes do litígio acordam a sua sujeição a um tribunal arbitral, que justifica certas dimensões do regime da arbitragem voluntária, não pode ser inteiramente tida como aplicável na presente situação. Desta forma, parte do enquadramento cons- titucional aplicável aos tribunais arbitrais necessários deverá ser considerado aplicável neste caso, em especial no que diz respeito às garantias de independência e imparcialidade dos tribunais e de processo arbitral equitativo.» Os tribunais arbitrais tributários participam, portanto, do exercício da função jurisdicional na ordem jurídica portuguesa e a arbitragem tributária possui, em virtude de especificidades da matéria em causa e do regime aplicável, um regime especial.

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