TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

508 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 1.2.3. (Re)distribuído o processo, foi proferida (nova) decisão, datada de 16 de abril de 2018, pela qual se julgou procedente o pedido dos demandados quanto à condenação por responsabilidade financeira sancio- natória e improcedente quanto à condenação por responsabilidade financeira reintegratória (é a esta espécie, pois, que se cinge a temática do presente recurso). 1.2.4. Os demandados interpuseram, então, recurso da decisão de 16 de abril de 2018, no segmento em que viram indeferida a sua pretensão (ou seja, relativamente à não aplicação do regime introduzido pela LOE2017 no âmbito da responsabilidade financeira reintegratória), para a 3.ª Secção do Tribunal de Contas. Nas alegações de recurso invocaram, inter alia , a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 61.º, n.º 2, da LOPTC, interpretada no sentido de que (esta norma) rege apenas para futuro nos casos de responsabi- lidade financeira, devendo aplicar-se às situações pendentes a lei vigente ao tempo da prática dos factos, por violação do princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável, consagrado no artigo 29.º, n.º 4, da CRP, e do princípio do Estado de direito democrático, previsto no artigo 2.º da CRP. 1.2.5. Por acórdão do Plenário da 3.ª Secção do Tribunal de Contas datado de 17 de junho de 2018, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte: “[…] 9. Comece-se por enquadrar devidamente o regime estabelecido nas citadas disposições da Constituição e do Código Penal. Como salientam Canotilho e Vital Moreira, o princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável, consagrado no n.º 4 do artigo 29.º da Constituição, apresenta um duplo significado: « (a) que deixa de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar; e (b ) que um crime passa a ser menos severa- mente punido do que era no momento da sua prática, se lei posterior o sancionar com pena mais leve». Do texto constitucional extraem ainda aqueles autores o entendimento de que qualquer dessas formas de apresentação de tal princípio ( i. e., quer a despenalização, quer a menor penalização) deve valer para os casos julgados, impondo aquele nesses casos a reapreciação do anteriormente decidido. E afirmam que, não obstante a aparente restrição do preceito constitucional em apreço à lei criminal, deve o conjunto de princípios nele consagrados, entre os quais o da aplicação retroativa da lei mais favorável, «valer por analogia para os demais domínios sancionatórios», dada a sua relevância enquanto princípios fundamentais para a proteção de direitos e interesses constitucionalmente protegidos. 10. Na mesma esteira seguem Jorge Miranda e Rui Medeiros, que analisam a incidência do princípio da apli- cação da lei penal mais favorável numa dupla perspetiva: «lei que viesse estabelecer uma pena menos grave do que a prevista na lei em vigor no momento da prática do crime, ou lei que viesse descriminalizar o facto praticado». Entendendo que o texto constitucional impõe a extensão desse princípio a casos em que «a sentença condenatória (com base na lei antiga mais grave) já tiver transitado em julgado», sustentaram aqueles autores a inconstitucionali- dade da parte final da redação originária do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal (que excecionava os casos julgados da aplicação da retroatividade favorável), a qual reconhecem ter sido sanada por via da nova redação conferida a essa norma pela Lei n.º 59/2007 (de 4/9). E também esses autores propugnam a aplicação dos princípios ínsitos no artigo 29.º da Constituição a outros «ramos do chamado direito público sancionatório». 11. É ainda de salientar que aquelas duas distintas facetas do aludido princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável não apresentam, ao nível da lei ordinária, a mesma fonte normativa. Enquanto a retroatividade da lei favorável descriminalizadora se enquadra no n.º 2 do artigo 2.º do Código Penal, já a retroatividade da lei favorável redutora da sanção tem assento no n.º 4 desse mesmo artigo 2.º De todo o modo, estamos em ambos os casos perante incidências de um mesmo princípio, o qual encontra o seu fundamento, como sublinha Taipa de Carvalho, nas ideias de «proteção e promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana», num contexto de aprofundamento desses direitos no quadro do Estado de Direito material, e de aplicação do «princípio da máxima

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