TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

51 acórdão n.º 464/19 facto, normativamente descritas, para bens jurídicos de importância transcendente para o indivíduo e para a comunidade organizada em Estado de direito. XXIV - A norma do artigo 4.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 versa sobre matéria de reserva de lei parlamen- tar: direitos, liberdades e garantias; nestas matérias, designadamente no domínio da utilização da informática relativamente ao tratamento de dados pessoais, a lei deve prever e prescrever de forma clara e precisa o quadro de circunstâncias em que as intervenções restritivas podem ser tomadas, não podendo ser redigida em termos tão latos que possa ser interpretada como incluindo, na sua previsão, a liberdade de escolha dos pressupostos que justificam a necessidade da intervenção; uma lei vaga, imprecisa e demasiado abrangente converteria as medidas restritivas em arbítrio, por ausência de critérios objetivos quanto à razão de ser da sua utilização, tanto mais que, neste caso, o acesso aos dados de tráfego representa uma intromissão sem que os respetivos titulares tenham conhecimento do facto nem dele se apercebam, ou sem que possam reagir durante a sua execução, ou mesmo no seu termo, já que dele não são notificados, nem se prevê quaisquer atos ou proce- dimentos que permitam o conhecimento ou cognoscibilidade da intromissão pelos interessados, contrariamente ao exigido pelo Tribunal de Justiça. XXV - O princípio da proporcionalidade impõe que o Estado invoque uma situação de perigo previsível, concreta e de verificação altamente provável, justificando os juízos de prognose através da identifi- cação normativa da situação fáctica que está na origem do perigo, a possibilidade de ocorrência de eventos lesivos num prazo próximo e a relação da situação de perigo com pessoas determinadas; todavia, os enunciados normativos retirados do artigo 4.º em articulação com o preceituado no artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 4/2017 não respondem a estas exigências; tal como estão formu- lados os pressupostos da intromissão, existe a possibilidade de acesso a esses dados em situações indefinidas, em eventos de verificação mais ou menos improvável, sem qualquer referência de circunstâncias de facto, caso em que é impossível evitar o arbítrio, desequilibrando desrazoavel- mente a ponderação de meio-fim ínsita na vertente apontada do princípio da proporcionalidade, violando o direito à autodeterminação informativa, consagrado nos artigos 26.º, n.º 1 e 35.º, n. os 1 e 4, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. XXVI - Não se aplicando o artigo 34.º, n.º 4, da Constituição, ao domínio coberto pelo artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, a constitucionalidade desta norma deve ser apreciada com base nos artigos 26.º, n.º 1 (direito ao desenvolvimento da personalidade e à reserva de intimidade da vida privada) e 35.º, n. os 1 e 4 (proibição de acesso a dados pessoais) da Constituição; as finalidades da norma do artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, reconduzem-se ao valor constitucional da segurança, que agrega a dimensão positiva de um conjunto muito vasto de direitos fundamentais ( v. g. , vida, integridade, propriedade) e interesses coletivos como a independência nacional e a ordem pública, trata-se, em suma, das alíneas a) e c) do artigo 9.º da Constituição, que define as «tarefas fundamentais do Estado», cabendo determinar, a esta luz, se o acesso pelos «oficiais de informações do SIS e do SIED» a «dados de base e de localização de equipamento» é uma medida desproporcionada ou um meio excessivo para alcançar as finalidades – em si mesmas não apenas legítimas como constitucionalmente impostas ao poder público – a que se destina. XXVII - O acesso aos dados previstos e com os objetivos fixados no artigo 3.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, dificilmente pode ser censurado no plano da adequação e da necessidade; por um lado, é óbvio que a medida é um meio idóneo de produção de informações que se venham a revelar úteis

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