TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

510 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL mas inexiste idêntica remissão no âmbito da responsabilidade reintegratória. Nesta apenas se encontra a já referen- ciada remissão para o Código Civil, em matéria de juros de mora. 18. Verifica-se, pois, a existência de norma remissiva expressa (do artigo 67.º, n.º 4, da LOPTC) para efeitos de incidência, em sede de responsabilidade sancionatória, do princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável, inscrito no artigo 2.º, n. os 2 e 4, do Código Penal (e precipitado a partir do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição). E dessa expressa remissão, por contraponto com a não-inclusão de norma idêntica em matéria de responsabilidade reintegratória, parece resultar um relevante indício de uma intencionalidade legislativa excludente da incidência desse princípio em sede de responsabilidade reintegratória. Não será esse indício decisivo, desde logo por força da con- sagração constitucional do princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável, que pelo seu valor supralegal se imporia a essa eventual intenção excludente do legislador ordinário. No entanto, a exclusão da aplicação de tal princípio vem a resultar da própria natureza jurídica da responsabilidade reintegratória, que afasta esta decididamente do âmbito da extensão do princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável a outros domínios sancionatórios – como se passará a demonstrar. 19. Para a determinação da natureza da responsabilidade reintegratória relevam, em especial, as características já supra salientadas quanto à consequência e quanto ao pressuposto essencial da sua ocorrência: a responsabilidade reintegratória é “punida” mediante uma condenação em reposição de quantias; e essas quantias correspondem às «abrangidas pela infração» (no dizer do artigo 59.º, n.º 1, da LOPTC), o que sugere a exigência de uma efetiva afetação patrimonial negativa do erário público, cumprindo a reposição de quantias uma função de compensação ou reparação dessa afetação. Isto significa uma clara aproximação da responsabilidade reintegratória ao instituto da responsabilidade civil – por contraponto com a responsabilidade sancionatória, que apresenta manifesta afinidade com a responsabilidade criminal (de que a remissão subsidiária do artigo 67.º, n.º 4, da LOPTC para segmento nuclear do Código Penal, relativo à dogmática da teoria geral da infração, constitui um óbvio afloramento). Esta matéria, aliás, mereceu recentemente labor doutrinário, o qual veio a corroborar a conformação civilística da res- ponsabilidade reintegratória. 20. No quadro do ciclo de seminários promovido por este Tribunal sobre o tema Relevância e Efetividade da Jurisdição Financeira no Século XXI (que decorreu entre outubro de 2017 e maio de 2018), proferiu Paulo Mota Pinto conferência, com o título «Dimensão civilista ou ressarcitória da responsabilidade financeira reintegratória» (cujo texto se encontra disponível em www.tcontas.pt ) , na qual se deixou bem vincada a clara distinção entre a responsabilidade reintegratória e a responsabilidade sancionatória, em particular quanto à finalidade, âmbito e pressupostos, considerando que essas duas modalidades replicam, no domínio da responsabilidade financeira, a distinção entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal ou contraordenacional. Ainda que admitindo não ser a obrigação de reposição de quantias resultante da responsabilidade financeira reintegratória rigorosa- mente idêntica à obrigação de indemnização da responsabilidade civil, não deixa esse autor de sublinhar a evidente afinidade existente entre ambos os institutos, na medida em que a responsabilidade reintegratória se traduz na «reposição de valores ou de dinheiros que o erário público deveria manter e que deixaram de aí figurar» e visa, essencialmente, «eliminar ou reduzir o dano sofrido pelo Estado ou entidade pública em causa». O mesmo autor afirma ser «inquestionável que em todos os tipos de ilícito suscetíveis de fundamentar a responsabilidade financeira reintegratória temos consequências patrimoniais indesejáveis para o erário público e, neste sentido amplo, todas pressupõem um dano». Como aquele refere, «a responsabilidade financeira reintegratória (…) atende sobretudo à situação patrimonial do credor público» e ainda que «a obrigação de reposição se não meça pelo dano concreto, atual e certo, é verdade que a reposição dos montantes acrescida de juros de mora tenderá a incluir os danos mais relevantes». Ou seja: não se está perante um dano aferido pela denominada “fórmula da diferença” (acolhida no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil, como critério de determinação da obrigação de indemnização), mas ainda está em causa um dano, mais propriamente «um dano tipificado, fixado pela lei como correspondendo às importâncias em causa, acrescido dos juros de mora», sendo escopo nuclear dessa responsabilidade reintegratória alcançar, de algum modo, a reparação de deslocações patrimoniais indevidas. E mesmo que a responsabilidade reintegratória nem sempre permita uma integral reparação do dano público produzido pela infração cometida, o certo é que «o

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