TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

511 acórdão n.º 546/19 cumprimento da obrigação de reposição tenderá a eliminar (em regra) pelo menos a maioria dos danos verificados». Tanto basta, como esse autor reconhece, para se sustentar a natureza civilística da responsabilidade reintegratória. 21. Podemos, pois, afirmar que a responsabilidade financeira reintegratória reveste características que a assi- milam decisivamente à responsabilidade civil, apresentando uma essencial dimensão ressarcitória e corretiva. E não se diga que esta caracterização é contraditada pela previsão do n.º 2 do artigo 64.º da LOPTC (que estabelece a possibilidade de redução ou relevação da responsabilidade em caso de negligência), uma vez que também em sede de responsabilidade civil se admite desvio a uma estrita função compensatória da indemnização, por via da possibilidade de redução equitativa da indemnização, igualmente em face de atuação negligente, conforme dispõe o artigo 494.º do Código Civil. 22. Ora, a evidenciada natureza civilística da responsabilidade financeira reintegratória postula, necessariamente, a desaplicação do princípio da aplicação retroativa da lei mais favorável, oriundo do domínio do direito criminal – e isso na medida em que essa responsabilidade reintegratória se situa, em bom rigor, fora do quadro do direito público sancionatório (ou, pelo menos, do direito sancionatório análogo ou equiparável ao direito criminal). 23. Daqui se deduz que, em matéria de responsabilidade financeira reintegratória, não se poderá alcançar solução idêntica à que foi acolhida na decisão recorrida em sede de responsabilidade financeira sancionatória. Sem curar aqui da pertinência da aplicação desse princípio da retroatividade favorável em matéria de responsabilidade sancionatória (por não constituir objeto do presente recurso, em virtude de já ter transitado em julgado a decisão recorrida quanto a esse segmento, ainda que se aceite essa aplicação), o certo é que estará, seguramente, vedada a incidência de tal princípio no domínio da responsabilidade financeira reintegratória, atenta a demonstrada natu- reza civilista deste instituto. 24. Concorda-se, assim, com o sentido da decisão recorrida, enquanto nesta se considerou aplicável, em maté- ria de sucessão de leis no tempo, e para efeitos de responsabilidade financeira reintegratória, o regime do artigo 12.º do Código Civil – e não o do artigo 2.º do Código Penal. Ou seja: aplica-se a regra de que a lei dispõe para futuro (cfr. n.º 1 desse artigo 12.º), pelo que a atual redação do n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC, introduzida pela Lei n.º 42/2016, apenas terá aplicação, em sede de responsabilidade reintegratória, a factos praticados posteriormente à entrada em vigor dessa alteração legislativa. Aliás, esse mesmo entendimento se colhe já, ainda que de forma implícita, como também se assinala na decisão recorrida, do Acórdão n.º 9/17 (de 26/4), desta 3.ª Secção, em Ple- nário, no qual, perante condenação por infração financeira sancionatória de responsável autárquico, se considerou aplicável o artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal, quanto a factos anteriores à nova redação do artigo 61.º, n.º 2, da LOPTC, com a consequente absolvição daquele, mas sem acolher idêntica solução em relação à infração financeira reintegratória que lhe foi igualmente imputada. 25. O subsequente juízo de adesão à orientação acolhida na decisão a quo, que ora se imporia, deve ainda ser confrontado com a questão de inconstitucionalidade suscitada pelos recorrentes. Recorde-se que estes, nas suas ale- gações de recurso, vieram, a título subsidiário, sustentar que a «decisão recorrida é inconstitucional» (cfr. n.º 12 das respetivas conclusões supra transcritas), na medida em que nela se procedeu à aplicação apenas para futuro da nova redação do n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC, com a consequente recusa de aplicação do princípio da retroatividade da lei mais favorável, em matéria de responsabilidade financeira reintegratória, o que implicaria violação do citado n.º 4 do artigo 29.º da Constituição. 26. Em primeira linha, importa sublinhar, desde logo, que o nosso sistema de fiscalização de constitucionali- dade não comporta a possibilidade de invocação de vício de inconstitucionalidade da própria decisão recorrida, apenas permitindo que esse vício se reporte a normas (ou, no limite, à interpretação de normas) – o que faria claudicar liminarmente uma tal invocação. Contudo, ainda que se conceda, por uma regra de máximo aproveita- mento dos atos processuais, em considerar que essa arguição se dirigirá à interpretação da citada nova disposição da LOPTC acolhida na decisão recorrida, sempre será de concluir pela inviabilidade dessa arguição de inconstitu- cionalidade, como se passa a explicitar. 27. Com efeito, tendo presente a argumentação já expendida supra sobre a natureza civilista da responsabilidade reintegratória, afigura-se evidente que essa caracterização contém em si mesma a negação da pretensa inconstitucio- nalidade suscitada. Como se salientou, essa dimensão civilística daquela modalidade de responsabilidade financeira

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