TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

513 acórdão n.º 546/19 a aplicação retroativa das “leis penais conteúdo mais favorável ao arguido” e por violação do princípio do Estado e direito democrático, com consagração no artigo 2.º da CRP, na dimensão da garantia e proteção dos direitos e liberdades fundamentais. 3. A responsabilização em sede de responsabilidade reintegratória ou sancionatória (artigos 59.º e 65.º da LOPTC) é efetivada no âmbito de processo sancionatório, em que ao arguido são asseguradas as garantias consti- tucionais estabelecidas pelos artigos 2.º, 29.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, da CRP. 4. Tanto a responsabilidade financeira sancionatória como a reintegratória são ilícitos que pressupõem um dano para o erário público, não sendo o dano um exclusivo do tipo responsabilidade sancionatória, como se demonstrou. 5. Pelo que uma interpretação do artigo 61.º, n.º 2, da LOPTC na sua redação atual que distinga a sua aplica- ção retroativa, consoante se trate de responsabilidade sancionatória ou reintegratória, é inconstitucional, pois em ambas verifica-se um ilícito e um dano – que, apenas varia de natureza ou de extensão – no âmbito dum processo sancionatatório, que não pode ser despido e garantias para os arguidos, especialmente quando o legislador ordiná- rio não estabeleceu a distinção que o douto Acórdão recorrido faz por via jurisprudencial. 6. Pelo que a interpretação sufragada pelo douto Acórdão recorrido que entende não ser aplicável aos recorren- tes o regime jurídico do artigo 61.º, n.º 2, da LOPTC, na redação atual dada pelo artigo 248.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, em conjugação com o artigo 29.º da CRP e o artigo 2.º do Código Penal, quanto à decisão já transitada em julgado que os condenou em responsabilidade reintegratória, sustentando que tal responsabilidade tem natureza civilística e, deste modo, o regime daquele artigo 61.º, n.º 2, da LOPTC apenas é aplicável para o futuro, quanto à responsabilidade reintegratória deve ser julgado inconstitucional, por violação do princípio da aplicação retroativa da lei penal mais favorável, como decorre do n.º 4 do artigo 29.º, conjugado com o artigo 32.º, n.º 10, da CRP que impõe a aplicação retroativa das “leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido” e por violação do princípio do Estado e direito democrático, com consagração no artigo 2.º da CRP, na dimensão da garantia e proteção dos direitos e liberdades fundamentais. […]” (itálico acrescentado). 1.3.3. O Ministério Público apresentou contra-alegações, assim concluindo: “[…] 4.1 – A alínea c) do n.º 1 do artigo 214.º da Constituição da República atribui ao Tribunal de Contas e com- petência para efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da lei, enquanto a alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º da LOPTC consagra competir-lhe “julgar a efetivação de responsabilidades financeiras de quem gere e utiliza dinheiros públicos, independentemente da natureza da entidade a que pertença, nos termos da presente lei”. 4.2 O sistema de responsabilidade financeira consagrado na CRP e na LOPTC reveste-se de autonomia face a outros ramos do ordenamento jurídico como o direito civil, o direito penal, o direito administrativo e o direito contraordenacional. 4.3 A LOPTC consagra um conceito amplo de responsabilidade financeira, que inclui duas espécies de respon- sabilidade, a responsabilidade reintegratória, regulada nos artigos 59.º a 64.º e a responsabilidade sancionatória, prevista nos artigos 65.º a 68.º. 4.4 No entanto, as responsabilidades financeiras reintegratória e sancionatória são distintas e autónomas entre si. 4.5 A responsabilidade reintegratória não se carateriza por uma matriz punitiva, mas sim pela sua natureza civilista, como resulta do quadro legislativo aplicável consagrado na LOPTC e bem assim da doutrina que vem sendo desenvolvida ultimamente. 4.6 Assim, não lhe são aplicáveis os institutos próprios do direito penal e processual penal, mas sim os relativos ao civil e processo civil, devidamente adaptados, nas partes não reguladas especificamente pela Lei do Tribunal de Contas. 4.7 Pelo que, o regime introduzido pelo artigo 248.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, ao n.º 2 do artigo 61.º da LOPTC (sob a epígrafe responsáveis) que estendeu aos titulares dos órgãos executivos das autarquias locais

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