TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

515 acórdão n.º 546/19 não implicar qualquer estrutura interna de órgãos judicativos entre si hierarquizados, salvo, porventura, no que toca às secções de âmbito regional. A verdade, porém, é que a lei organiza internamente o Tribunal de Contas, prevendo diversas instâncias e a possibilidade de recursos deduzidos contra decisões proferidas pelas instâncias subordinadas, nomeadamente no domínio da chamada fiscalização preventiva ou prévia (através do visto ou declaração de conformidade). Daí que ainda hoje mantenha plena atualidade a afirmação de António Sousa Franco – escrita antes da publicação da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, Lei de Organização e Processo no Tribunal de Contas em vigor – de que o caráter “for- malmente judicial do órgão configura-se indubitável, tanto nos termos da Constituição que o integra na hierarquia dos tribunais, como nos termos da Lei n.º 86/89, que para preservar as suas características deu passos muito signi- ficativos”, ilustrando esta afirmação com a verificação de que “o critério do Tribunal ao conceder o visto é sempre um critério de estrita legalidade, nunca um critério de apreciação da oportunidade e conveniência (que poderia caracterizar uma jurisdição voluntária ou um ato administrativo discricionário)” (prefácio à obra de José Tavares e Lídio Magalhães, Tribunal de Contas – Legislação Anotada. Índice Remissivo, Coimbra, 1990, p. 37). […]” (itálicos acrescentados). As competências do Tribunal de Contas projetam-se em duas modalidades de responsabilidade finan- ceira, uma sancionatória, outra reintegratória, como assinalou o Acórdão n.º 127/16: “[…] [O Tribunal de Contas] é, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, da Constituição, o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, correspondendo-lhe a natureza de órgão consti- tucional judicial (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anotações I e II ao artigo 214.º, p. 575). A efetivação da responsabilidade por infrações financeiras prevista na alínea c) do citado artigo 214.º, n.º 1, é uma consequência natural da competência para julgar as contas públicas e distingue-se de responsabilidades de outro tipo, designadamente da responsabilidade penal, a efetivar pelos tribunais judiciais (cfr. o artigo 211.º, n.º 1, da Constituição e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. II, cit., anotação VIII ao artigo 214.º, pp. 578-579). Nesse sentido, estatui a LOPTC, no seu artigo 58.º, desde antes da Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, que a efetivação de responsabilidade emergente de infrações financeiras – tanto na sua vertente reintegratória, como na vertente sancionatória – tem lugar mediante processos de julgamento de contas (na sequência de verificação externa de contas) e de responsabilidades financeiras (na sequência de ações de controlo realizadas pelo Tribunal fora do processo de verificação externa, ou, posteriormente à citada Lei, em relação a infrações financeiras evidenciadas em relatórios de órgãos de controlo interno dos serviços e organismos da Administração). A responsabilidade financeira reintegratória pressupõe o alcance, o desvio de dinheiros ou valores públicos, o paga- mento indevido ou, ainda, a não arrecadação de receitas, e traduz-se na condenação do responsável a repor as importân- cias abrangidas pela infração, “sem prejuízo de qualquer outro tipo de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer” (incluindo a responsabilidade financeira sancionatória) e só ocorre se o responsável tiver agido com culpa (cfr. os artigos 59.º, 60.º, 61.º, n.º 5, e 64.º, da LOPTC, nas redações anterior e posterior à Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto). Pelo seu lado, a responsabilidade financeira sancionatória corresponde à condenação ao pagamento de uma multa pela prática culposa ou dolosa de certos factos previstos na lei, não precludindo as reposições que eventual- mente forem devidas a título de responsabilidade financeira reintegratória: está em causa sancionar o incumpri- mento de regras relativas à legalidade e regularidade das receitas e das despesas públicas e à boa gestão financeira (artigo 65.º da LOPTC, nas suas várias versões; as multas do artigo 66.º têm uma natureza diferente e também podem ser aplicadas pela 1.ª e pela 2.ª Secções – cfr. os artigos 77.º, n.º 4, e 78.º, n.º 2, alínea e) , da LOPT, na redação posterior à Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto; sobre a diferença entre os dois tipos de multas em apreço, v. o Acórdão n.º 778/2014, n.º 2.1. e, bem assim, António Cluny, Responsabilidade Financeira… , cit., pp. 77, 118 e 271-272). O valor da multa é graduado de acordo com um regime próprio (artigo 67.º da LOPTC, nas suas várias versões). A 1.ª e a 2.ª Secções do Tribunal de Contas podem, em determinadas circunstâncias, relevar a

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