TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

518 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acresce que as suas finalidades são diversas: a responsabilidade reintegratória visa a reposição das importâncias abrangidas pela infração; a responsabilidade sancionatória visa sancionar essa infração. E afigura-se que também são distintos os seus pressupostos, porquanto a previsão de responsabilidade reinte- gratória resulta dos artigos 59.º e 60.º da LOTPC, independente ou autonomamente da prática de infrações que sejam sancionáveis com responsabilidades sancionatórias elencadas no artigo 65.º. Esta autonomização parece-me, aliás, replicar, no domínio das responsabilidades financeiras, apenas a distinção que existe também em geral na responsabilidade, entre a responsabilidade civil, que serve fundamentalmente o objetivo da justiça corretiva, e a responsabilidade sancionatória (criminal ou contraordenacional), com objetivos fundamentalmente preventivos (de integração). E isto, independentemente da questão de saber se a responsabili- dade financeira reintegratória é verdadeiramente responsabilidade civil, por pressupor um dano que visa ressarcir – questão a que voltarei mais à frente. […] Pode, pois, a meu ver, concluir-se que – quer pelos pressupostos da obrigação de reposição, quer pelo próprio termo “responsabilidade” e pela exigência de culpa – a obrigação resultante da responsabilidade financeira reinte- gratória, não sendo uma obrigação de indemnização nos termos clássicos, visa, porém, também, na maioria dos casos, eliminar ou reduzir o dano sofrido pelo Estado ou entidade pública em causa, embora o dano não seja con- creto, atual, certo, individualizado e determinado como nos termos gerais, pela “fórmula da diferença”, antes seja um dano tipificado, fixado pela lei como correspondendo às importâncias em causa, acrescido dos juros de mora. […]”. Como refere José Mouraz Lopes, a responsabilidade financeira reintegratória pressupõe “[…] o alcance, o desvio de dinheiro ou valores públicos, o pagamento indevido ou, ainda, a não arrecadação de receitas para o Estado”. A responsabilidade financeira sancionatória “implica, por seu lado, a existência de uma infração como tal tipificada na lei, referente a infrações a regras relativas à legalidade e regularidade das receitas e despesas públicas e à boa gestão financeira, por via de uma conduta culposa do agente”, existindo “uma fun- ção dissuasora (de prevenção) na responsabilidade financeira, concretamente na sua dimensão sancionatória (e não apenas reparadora ou reintegratória de um prejuízo para o Estado)” – “O caminho da autonomia dogmática da responsabilidade financeira – notas breves sobre as alterações à Lei Orgânica e de Processo do Tribunal de Contas, introduzidas pela Lei n.º 20/2015, de 9 de março”, in Revista do Tribunal de Contas , n.º 63/64 (2015), pp. 53 e seguintes. 2.3. As alegações de recurso dos recorrentes não afastam os argumentos decorrentes da jurisprudência constitucional citada, aliás, nem a referem. Invocam os recorrentes que “[…] a responsabilidade financeira reintegratória não reveste uma natureza equivalente à responsabilidade civil, excludente do regime da aplicação da lei retroativa mais favorável, pois ela efetiva-se no âmbito de processo sancionatório”. Trata-se, todavia, de planos distintos. A circunstância de a responsabilidade ser apurada num processo sancionatório não implica, só por si, a respetiva natureza sancionatória, designadamente quando, como é o caso, o processo diga respeito a duas modalidades de responsabilidade. Como se afirma no já citado Acórdão n.º 127/16, “[…] quando muito, poder-se-á falar de uma responsabilidade conexa, porventura análoga à obrigação de indemnizar as perdas e danos emergentes de ilícito penal, e que é regulada por lei diferente daquela que pune tal ilícito (cfr. o artigo 129.º do Código Penal [norma na qual se prevê que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil]) […]”. Alegam, ainda, que “[m]uito embora o elemento dano esteja presente no conceito de pagamento inde- vido para efeitos de responsabilidade financeira reintegratória (artigo 59.º, n.º 4, da LOPTC), cuja efetivação pressupõe a verificação do dano como elemento necessário da responsabilidade reintegratória, tal facto não leva à conclusão de que este tipo de responsabilidade se identifica com responsabilidade civil, pois também no âmbito da responsabilidade sancionatória – em que apenas é aplicada multa em caso de infração – pode

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