TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

519 acórdão n.º 546/19 haver dano para Estado, quando ela origina a não liquidação, cobrança e entrega nos cofres de receitas devi- das [artigo 65.º, n.º 1, alínea a) , da LOPTC] ou pela falta de efetivação ou retenção indevida de descontos legalmente devidos ao pessoal [alínea c) do mesmo artigo]”. O argumento, todavia, não suporta a pretendida conclusão. Na verdade, “[…] a ilicitude financeira subjacente aos ilícitos estabelecidos na lei, quer de natureza san- cionatória quer de natureza reintegratória, tem na sua base a inobservância ou a violação de uma obrigação genérica de serviço com repercussões financeiras” (José Mouraz Lopes, O caminho da autonomia… , cit.). A circunstância de à prática de uma infração se poder associar um dano não afasta a autonomia (e a finalidade ressarcitória) da responsabilidade destinada a “eliminar ou reduzir o dano sofrido pelo Estado” (Paulo Mota Pinto, no excerto supracitado em 2.2.2.). É o que sucede, desde logo, mutatis mutandis , com as infrações criminais, muitas delas geradoras de dano, “[…] dando origem a uma ação penal, que visa aplicar uma san- ção criminal ao infrator, e a uma ação civil, que tem por finalidade primária a reparação civil pelar perdas e danos resultantes da infração” (M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal – Parte Geral e especial , com notas e comentários , 2.ª edição, Coimbra, 2015, p. 498), convivendo estas ações num mesmo processo, que oferece as garantias próprias dos processos sancionatórios, porém, com autonomia substantiva das regras que disciplinam cada uma daquelas modalidades de responsabilidade, como resulta, designadamente, do disposto nos artigos 129.º do Código Penal e 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Não existem, face ao exposto, razões bastantes para afastar o entendimento, já presente na jurispru- dência constitucional (cfr. item 2.2.1., supra ), segundo o qual a responsabilidade financeira reintegratória prevista na LOPTC não tem natureza sancionatória, cumprindo reafirmá-lo, aderindo aos fundamentos dos Acórdãos n. os 127/16 e 255/18, supra transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. itens 2.1. e 2.2.1., supra ). Resulta, pois, afastada a primeira condição antes assinalada (cfr. item 2.2., supra ) para o sucesso da pretendida censura jurídico-constitucional da norma questionada pelos recorrentes, ficando precludida a apreciação das demais condições, sendo certa tratar-se de incidências dependentes da primeira. 2.4. Não se prefigurando, por fim, que a norma seja violadora de qualquer outra norma ou prin- cípio constitucional, conclui-se pela não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 248.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, interpretada no sentido em que as alterações ao regime da responsabilidade financeira reintegratória introduzidas no artigo 61.º, n.º 2, da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (Lei de Organi- zação e Processo do Tribunal de Contas), não são aplicáveis aos demandados que, antes da respetiva entrada em vigor, foram condenados pela prática de infração financeira reintegratória por decisão transitada em julgado, ainda que dessas alterações decorra um regime de responsabilidade mais favorável aos demandados. É o que resta afirmar, com a consequente improcedência do recurso. III – Decisão 3. Em face do exposto, decide-se: a) não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 248.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezem- bro, interpretada no sentido em que as alterações ao regime da responsabilidade financeira reinte- gratória introduzidas no artigo 61.º, n.º 2, da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas), não são aplicáveis aos demandados que, antes da respetiva entrada em vigor, foram condenados pela prática de infração financeira reintegratória por decisão transitada em julgado, ainda que dessas alterações decorra um regime de responsabilidade mais favorável aos demandados; e, consequentemente, b) negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que respeita à questão de incons- titucionalidade normativa referida em “ a) ”.

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