TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 106.º Volume \ 2019

527 acórdão n.º 547/19 69. Em primeira linha, mesmo que entendêssemos que o parâmetro relevante para aferir da constituciona- lidade da interpretação normativa desaplicada pelo tribunal a quo deveria ser o ‘princípio da proporcionalidade, na vertente do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito’, não o poderíamos retirar, a nosso ver, do expresso no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, que a ele não respeita diretamente, mas apenas, eventualmente, do disposto no artigo 2.º do Texto Fundamental, no qual se consagra o Princípio do Estado de Direito, do qual aquele é extraível, ou, em alternativa, do disposto nos n. os 2 e 3 do seu artigo 18.º. 70. Por outro lado, e atendendo ao teor da vasta jurisprudência que vem sendo produzida pelo Tribunal Constitucional, ao longo dos anos, sobre o tema da citação e da notificação por via postal simples, resulta evidente que os parâmetros de constitucionalidade operativos neste domínio e, consequentemente convocáveis para a boa solução do dissídio, não podem deixar de ser os referidos princípios do contraditório e da proibição da indefesa, proclamados no artigo 20.º, da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo da sua concatenação, expressa ou meramente implícita, com o princípio da proporcionalidade. 71. Da análise desta mesma jurisprudência constitucional decorre, igualmente, que as soluções encontradas resultam da concomitante consideração de outros parâmetros constitucionais, a saber, os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, conflituantes com os mencionados princípios do contraditório e da proi- bição da indefesa, e, necessariamente, da aplicação do modelo da ponderação dos direitos e interesses colidentes, harmonizando-os na medida do possível e fazendo prevalecer aqueles que se revelarem, concretamente, dotados de peso superior. 72. Ora, se do mero confronto entre os princípios do contraditório e da proibição da indefesa por um lado, e os princípios da celeridade, da segurança e da paz social por outro, puderam resultar decisões do Tribunal Consti- tucional que, valorando mais intensamente os primeiros, julgaram inconstitucionais normas legais prescritoras da notificação por via postal simples (conforme ocorreu no Acórdão n.º 222/17), já não se nos afigura que a mesma solução possa ser alcançada quando à colisão seja chamado, como no caso vertente, os princípios da liberdade contratual e da autonomia da vontade (e ainda, acrescente-se, sejam concomitantemente observados os critérios de concordância estabelecidos pela jurisprudência constitucional). 73. Com efeito, se é aceitável entender, como o fez oTribunal Constitucional no seu douto Acórdão n.º 222/17, que se revela desconforme com a Constituição a norma que prevê, na falta de domicílio convencionado, a noti- ficação por via postal simples, na sequência da tentativa frustrada de notificação por carta registada com aviso de receção por, para além do mais, esta modalidade não oferecer garantias suficientes quanto ao conhecimento do respetivo conteúdo, já não se nos afigura que o mesmo se possa concluir quando a notificação por via postal simples com prova de depósito, ocorra no domicílio eleito pelo contratante – e aceite pela contraparte – para efeitos de comunicações e notificações. 74. A consideração desta manifestação dos princípios da liberdade contratual e da autonomia da vontade bastaria, em nosso entender, para justificar a não desconformidade constitucional de uma solução normativa – a extraível do disposto nos n. os 1 e 3 do artigo 12.º-A do regime constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro (na redação resultante do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro) – que, incorpo- rando um desejo de compromisso e autovinculação das partes no contrato, lhes veda a possibilidade de invocação da falta de comunicação do ato e impede a desvinculação unilateral do convencionado, as quais, a verificarem-se, poderiam constituir manifestações de abuso de direito na sua dimensão de venire contra factum proprium . 75. Todavia, não esquecendo a relevância holística do princípio da proporcionalidade, deveremos conside- rar, ainda, complementando o adquirido, que também no que concerne aos critérios de aferição da proibição do excesso, se apura, para além do mais, que a norma sob escrutínio rege a comunicação de atos processuais de natureza jurídico-civil, menos exigente, no quadro garantístico constitucional, do que as respeitantes ao processo criminal (sujeitas ao disposto no artigo 32.º da Constituição); que a notificação, apesar de efetuada por carteiro (e não por oficial investido de poderes públicos), deve ser depositada no recetáculo postal do notificando e tal ato deve ser formalmente certificado; que a comunicação (podendo ocorrer noutros contextos) ocorre, nos presentes autos e maioritariamente, nas ações de massa (que, conforme já observámos, ‘estatisticamente ‘afogam’ os tribunais’); e que quando respeitante a uma pessoa física devedora, como acontece no caso vertente, tem como limite máximo

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